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sexta-feira, 14 de novembro de 2014

De que vale o poeta? Quanto vale o poema?

Quando o Bruxo do Cosme Velho morreu, Euclides da Cunha (1908 apud CARVALHO, FILHO, FRANCO, 2009, p. 199-202) não só lamentou o "triste desenlace da sua enfermidade", responsável pelo cerramento de "40 anos de literatura gloriosa"; mas, defendeu a ideia de que "um escritor da estatura de Machado de Assis só deveria extinguir-se dentro de uma grande e nobilitadora comoção nacional", diferentemente do ocorrido em tal ocasião. 

Segundo o autor de “Os sertões”, “era pelo menos desanimador tanto descaso da cidade inteira [, em meio ao referido falecimento], sem a vibração de um abalo, derivando imperturbavelmente na normalidade de sua existência complexa”; e, imprescindível, portanto, que alguém transfigurasse um desalento como esse no fastígio de um estado moral – algo realizado, àquela época, por Atrojildo Pereira, um “anônimo juvenil”, até então. 

E eu, que não sei aonde chegar com todas essas palavras, lembro-me, hoje, de Hugo Friedrich (1991, p. 11) já nos apresentando, de igual modo, no século anterior, somente “os poetas [...] [enquanto] pessoas sensíveis, zelosas de sua originalidade e seus admiradores [...] [, capazes de alentarem] esta sensibilidade”; além de Terry Eagleton (2006, p. 15), para o qual “a literatura [...] [, numa sociedade como a nossa,] deixou de ter grande função prática”.

Talvez por isso, inclusive, estejam mortos, por exemplo, Manoel de Barros (13/11), Ariano Suassuna (23/07), João Ubaldo Ribeiro (18/07) e Ivan Junqueira (03/07). Mortos, ou faltos de vida. Mortos, ou sem movimento. Mortos, ou faltos de gente. Mortos, ou pálidos, esmaecidos, desbotados. Mortos, ou faltos de vigor, de vivacidade, de brilho. Mortos, ou extremamente cansados; exaustos. Mortos, ou extintos, apagados. Mortos, ou que caíram em desuso, não têm mais validade, circulação ou curso. Mortos, ou sequiosos, ávidos. 

Outros também morreram.

Referências:

CUNHA, Euclides da. A última visita. In: CARVALHO, José Murilo de; FILHO, Venancio Filho; FRANCO, Affonso Arinos de Mello (Org.). Trabalhos esparsos de Euclides da Cunha. Rio de Janeiro: ABL, 2009. p. 199-202.

EAGLETON, Terry. Introdução: o que é literatura? In: ______. Teoria da literatura: um introdução. Tradução: Waltensir Dutra. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 1-24.

FRIEDRICH, Hugo. Perspectiva e retrospecto. In: ______. Estrutura da lírica moderna: da metade do século XIX a meados do século XX. Tradução do texto: Marise M. Curioni. Tradução das poesias: Dora F. Da Silva. 2. ed. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1991. p. 15-34.

domingo, 6 de abril de 2014

Não é uma justificativa



Há muitos anos (isto, também, porque o tempo não é o que nós entendemos por ele), eu descobria "A festa" das palavras ou a encobria, não sei bem (já que, sobre esse mesmo tempo, são indubitáveis, somente, sua existência e força)... Há muitos anos. Não em 1987! Porque dizer ou ouvir é um mistério. E como tal não se presta a um porquê.

quarta-feira, 5 de março de 2014

De Clarice Lispector, "Sem nosso sentido humano"

Como seriam as coisas e as pessoas antes que lhe tivéssemos dado o sentido de nossa esperança e visão humanas? Devia ser terrível. Chovia, as coisas se ensopavam sozinhas e secavam, e depois ardiam ao sol e se crestavam em poeira. Sem dar ao mundo o nosso sentido humano, como me assusto. Tenho medo de chuva, quando a separo da cidade e dos guarda-chuvas abertos, e dos campos se embebendo de água. (LISPECTOR, 1999, p. 205).

Referência: 

LISPECTOR, Clarice. Sem nosso sentido humano. In: ______. A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999. p. 205.

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Um professor e as "novas eras"

Afinal, com o que, ou quem, “Não se deve ser crítico demais”?

“As novas eras”, ou um tempo no qual também se ensina e aprende, além de se desejar fazê-lo, são sempre uma confusão só. Até mesmo por causa do homem que lhes abre um, dois ou três caminhos e com o qual “Não se deve ser crítico demais”. Vivê-las é uma questão de poesia, ou de Brecht (2012, p. 25, 294):

As novas eras

As novas eras não começam de uma vez
Meu avô já vivia no novo tempo
Meu neto viverá talvez ainda no velho.

A nova carne é comida com os velhos garfos.

Os carros automotores não havia
Nem os tanques
Os aeroplanos sobre nossos tetos não havia
Nem os bombardeios.

Das novas antenas vêm as velhas tolices.
A sabedoria é transmitida de boca em boca.


Não se deve ser crítico demais

Não se deve ser crítico demais.
Entre sim e não
Não é tão grande a diferença.
Escrever no papel em branco
É uma coisa boa, e também
Dormir e comer à noite.
A água fresca na pele, o vento
As roupas agradáveis
O ABC
A defecação.
Falar de corda em casa de enforcado
Não é apropriado.
E na lama
Ver uma clara diferença
Entre argila e marga
Não convém
Ah
Quem é capaz de imaginar
Um céu de estrelas
Esse
Bem poderia calar a boca.


Referência:

BRECHT, Bertold. Poemas 1913-1956. Seleção e tradução: Paulo César de Souza. 7. ed. São Paulo: Editora 34. p. 25, 294.