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sábado, 14 de outubro de 2017

De José Régio, "Cântico negro"

“Vem por aqui” – dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: “vem por aqui”!
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
– Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha Mãe.

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
Porque me repetis: “vem por aqui”?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas, e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha Loucura!
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: “vem por aqui”!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
– Sei que não vou por aí!

Referência:

RÉGIO, José. Cântico negro. In: ______. Poesia. Lisboa: Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 2001. v. 1. p. 81-82. 

sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Que espetáculo, Ariano Suassuna! Que espetáculo!


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Modalidade: Aula / Espetáculo / Palestra
Duração: 2h10min
Data: 11 de julho de 2013
Local: Camocim de São Félix - PE
Ocasião: Tributo ao músico / compositor Capiba

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Modalidade: Aula / Espetáculo / Palestra
Duração: 1h17min
Data: 10 de maio de 2013
Local: Centro de Convenções Divaldo Franco,
Vitória da Conquista - BA
Ocasião: Abertura do Festival da Juventude de Vitória da Conquista

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Modalidade: Aula / Espetáculo / Palestra
Duração: 1h03min
Data: 20 de março de 2013
Local: Centro de Eventos Brasil 21,
Brasília - DF
Ocasião: 1ª Conferência Nacional de Desenvolvimento Regional

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Modalidade: Aula / Espetáculo / Palestra
Duração: 1h04min
Data: 18 de abril de 2012
Local: Auditório Ministro Mozart Victor Russomano, 
Tribunal Superior do Trabalho, Brasília - DF
Ocasião: Inauguração do referido auditório

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Modalidade: Aula / Espetáculo / Palestra
Duração: 1h44min
Data: 29 de setembro de 2011
Local: Milenium Centro de Convenções, 
São Paulo - SP
Ocasião: Homenagem ao Dia do Professor,
organizada pelo SINPRO-SP

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Modalidade: Aula / Espetáculo / Palestra
Duração: 50min
Data: 13 de setembro de 2011
Local: Auditório do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA),
Brasília - DF
Ocasião: Comemoração do 47º aniversário do IPEA

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Modalidade: Aula / Espetáculo / Palestra
Duração: 1h26min
Data: 30 de abril de 2011
Local: SESC Vila Mariana, 
São Paulo - SP
Ocasião: Não informada

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Modalidade: Aula / Espetáculo / Palestra
Duração: 1h25min
Data: 04 de junho de 2008
Local: Tribunal de Contas da União,
Brasília - DF
Ocasião: Não informada

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Modalidade: Aula / Espetáculo / Palestra
Duração: 1h35min
Data: 07 de maio de 2007
Local: Palácio do Itamaraty, Rio de Janeiro - RJ
Ocasião: Não informada

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Modalidade: Entrevista
Duração: 1h25min
Data: 06 de maio de 2002
Local: TV
Ocasião: Programa Roda Viva

terça-feira, 25 de julho de 2017

Um convite para conhecer José Pacheco

É preciso conhecer José Pacheco, para quem “as comparações e os rankings são disparates” ou, ainda, “os professores [...] deveriam procurar caminhos de alforria científica e a sua maioridade educacional, sem prescindir do que venha do estrangeiro” porque, na maioria das vezes, “novidades importadas não passam de inovações requentadas”. Na entrevista que concedeu à Notícias Magazine, em abril de 2017, muitas são as chamadas para reflexão sobre a profissão professor, ensinar e aprender, a mudança de que a escola necessita etc., dentre as quais destaco:
  1. “Apercebemo-nos que o maior aliado de um professor é o outro professor, mas, também, que o maior inimigo de um professor que ouse fazer diferente para melhor é o professor da escola do lado [...]”;
  2. “A aprendizagem é antropofágica. Não se aprende o que o outro diz, apreendemos o outro. Um professor não ensina aquilo que diz, transmite aquilo que é. Poderá acontecer aprendizagem em sala de aula, se forem criados vínculos e esses vínculos não são apenas afetivos, também são do domínio da emoção, da ética, da estética...”;
  3. “O sistema somos nós. Que rigor e que exigência existem num modelo educacional no qual alunos do século XXI são ‘ensinados’ por professores do século XX, que recorrem a práticas oriundas do século XIX?”;
  4. “[...] a profissão de professor não é um ato solitário, mas solidário. [...] o trabalho em equipa pressupõe um permanente convívio, estabilidade e lealdade a valores e princípios de um projeto [...]”;
  5. “O professor assume dignidade profissional, sendo autónomo-com-os-outros. Porque um professor não ensina aquilo que diz, transmite aquilo que é. E enquanto o exercício da profissão não se pautar por critérios de natureza pedagógica, enquanto a burocracia prevalecer em detrimento da pedagogia, os professores continuarão a ser considerados os ‘bodes expiatórios’ dos males do sistema”;
  6. “São muitos e diversos os caminhos de mudança, sendo urgente que os educadores compreendam o que significa o termo ‘currículo’. É preciso experimentar um novo modo de organização, em equipas de pessoas autónomas e responsáveis, todas cuidando de si mesmas e de todo o resto, numa escola realmente ‘pública’. Não negando o potencial da razão e da reflexão, juntar-lhe as emoções, os sentimentos, as intuições e as experiências de vida. E uma escuta que, para além do seu significado metodológico, terá de ser humanamente significativa [...]”;
  7. “É preciso apenas que haja gente, educadores conscientes da necessidade e possibilidade de mudança, que se constituam numa equipa de projeto. Que saibam escutar sonhos e necessidades da comunidade em que estejam inseridos. E que ajam em função da lei e da ciência. Não há duas escolas iguais, nem acredito em modelos.”

quinta-feira, 20 de julho de 2017

De Hélcio Pereira da Silva, "Lima Barreto, escritor maldito" (1976; 1981)

Leio na 10ª edição de “A vida de Lima Barreto” (2012), biografia escrita por Francisco de Assis Barbosa entre 1946 e 1951 e publicada no ano seguinte, que em outras obras da década de 70 o perfil biográfico desse autor é traçado:
O meu velho companheiro de A Noite, dos bons velhos tempos, Carvalho Netto, publicou em 1977 o seu livro de memórias, Norte: oito quatro, em que traça um excelente perfil de Lima Barreto, de quem foi amigo. Há ainda, a registrar os livros de cunho popular: o de H. Pereira da Silva, Lima Barreto, escritor maldito (1976) e o de João Antonio, Calvário e porres do pingente Afonso Henriques de Lima Barreto (1977). (BARBOSA, 2012 [1981], p. 23).
Certamente, compará-las permite adentrar mais ainda a literatura barretiana, a qual, como se sabe, mostra-se aqui e acolá autobiográfica. E, em se tratando desses “biógrafos”, coetâneos de Lima Barreto, curiosidades parecem esperar por sua revelação na leitura ávida daqueles que a esse tipo de atividade costumam aventurar-se. 

Além disso, quando uma nova bio(blio)grafia sobre um autor é lançada, há de se verificar a sua filiação com as anteriores, sobretudo para compreender os deslocamentos narrativo-temáticos em virtude dos quais ela surge, no restabelecimento da vida e da obra a que se propõe cercar. Agora, em 2017, que a Companhia das Letras publica, de Lilia Moritz Schwarcz, “Lima Barreto: triste visionário”, por exemplo, a biógrafa esclarece:
Não há como passar pela história da vida de Lima Barreto e da recepção de sua obra sem ter ao lado, e quase como guia de viagem, o livro de Francisco de Assis Barbosa publicado em 1952: a primeira biografia completa de Lima. Ele também liderou [...] uma verdadeira operação editorial com o objetivo de trazer de volta ao público, na década de 1950, a integralidade dos textos do autor. [...]. (SCHWARCZ, 2017, p. 19).
Evidentemente, outras operações editoriais também são interessantes e necessárias. Como confrontar as várias edições de uma mesma obra, garimpando aquilo que se deixou perder na segunda em relação à primeira, e assim por diante. Afinal, o zelo que, na prática de edição, restabelece a voz autoral não a liberta de todo. Vejamos, a seguir, o caso de H. Pereira da Silva.

A obra "Lima Barreto, escritor maldito" foi publicada em sua primeira edição em 1976. Na capa, atribuída a Claudio Valério Teixeira, lê-se uma espécie de subtítulo ausente na segunda: “Malditos são todos aqueles que dizem verdades incômodas”. Não há indicação da editora. 


Sem ficha catalográfica, o próprio ano da publicação é informado na lombada, na folha de rosto e na última página (240), onde nota-se “Composto e impresso no Departamento Gráfico do M. A. F. C., Rua Aristides Lobo, 106, em julho de 1976.” e fixa-se a seguinte errata: “EM TEMPO: Alguns insignificantes cochilos de revisão passaram despercebidos. Entre outros, na página 59, leia-se: ‘Anchieta, pensamento luso’...”. Talvez a contracapa seja reveladora, para a identificação da editoria: nela, o livro acaba apresentado como o sétimo dos 10 vol. que compõem a “GALERIA DE RETRATOS PSÍQUICOS”, projeto de H. Pereira da Silva. 


Sua orelha, “Ninguém foi mais brasileiro que Lima Barreto”, não é assinada e desaparece da segunda edição (1981, agora pela Civilização Brasileira, INL-MEC), sendo substituída por uma de Modesto de Abreu, sem título. 

As dedicatórias também se alteram. Antes: “A Francisco de Assis Barbosa que ressuscitou Lima Barreto, Lázaro do esquecimento, este livro” e “À ausência da grande presença: minha mãe” – nesta ordem. Depois: “À ausência da grande presença: minha mãe”, “A Antonio Houaiss, Francisco de Assis Barbosa, R. Magalhães Júnior” e “À memória de M. Cavalcanti Proença, Osman Lins e (Mário) José de Almeida”.

Compõem-na, excetuando-se folha de guarda, de rosto e as dedicatórias (SILVA, 1976, p. 5, 7),
  • NOTÍCIA LITERÁRIA” do biógrafo (na próxima edição, “Notícia biobliográfica do autor”, com alguns acréscimos: a crítica de Gilberto Freyre – “Ótimo livro!”- e “Outros livros” de H. Pereira da Silva, devidamente relacionados) (p. 11-14);
  • PROFISSÃO DE FÉ”, uma seção epigráfica, depois sem esse título, na qual encontra-se um trecho literário do biografado: “Nunca, na minha vida, tentei coisa mais desinteressada do que escrever as minhas confusas emoções e pobres julgamentos; e nunca esperei desse meu ato senão aquilo que, entre nós, a literatura pode dar digna, limpamente” (p. 17);
  • A VEZ DE LIMA BARRETO”, espécie de apresentação da biografia, elaborado pelo próprio biógrafo (p. 21-27);
  • Dez capítulos, não intitulados (p. 29-222);
  • OBSERVAÇÃO”, ausente na edição posterior;
OBSERVAÇÃO: Em vida, Lima Barreto editou por conta própria, "TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA", "NUNO [sic] E A NINFA", em 1916. Viu seu primeiro romance, "RECORDAÇÕES DO ESCRIVÃO ISAÍAS CAMINHA" publicado em Portugal pela Livraria Clássica em 1909 sem receber direitos autorais. Tirou, fazendo empréstimos, novas edições. Não tinha editor. O primeiro e único, foi Monteiro Lobato que, como vimos, pagou os direitos autorais de "VIDA E MORTE DE M. J. GONZAGA DE SÁ".
Foi tudo o que conseguiu. Agora faz a riqueza de qualquer editor. (p. 225).
  • SÍNTESE BIOGRÁFICA” (p. 229-235); e,
  • OBRA COMPLETA” de Lima Barreto (p. 239-240).

Quanto à segunda edição (revista por Nilza Morais, Heloisa Pires Mesquita e Luiz Augusto Pires Mesquita), a despeito do que já se revelou, sua capa é atribuída a "DOUNÊ sobre desenho de D. Ismailovitch".



Compõem-na, ao longo de suas 184 páginas, excetuando-se folha de guarda, de rosto, dedicatória e sumário (SILVA, 1981, p. 5, 7, 9),
  • "Notícia Biobliográfica do Autor" (SILVA, 1981, p. 11-14), semelhante à "NOTÍCIA LITERÁRIA" da edição anterior, com o acréscimo dos "OUTROS LIVROS" escritor por H. Pereira da Silva (Ibid., p 14):
Bacia das Almas (esg.)
Neuroses Coletivas do Século XX (esg.) 
Terra dos Papagaios (esg.)
Sobre os Romances de Machado de Assis (esg.)
Diálogos com Machado de Assis (esg.)
Maldito de Todos os Santos (peça teatral, esg.)
O Processo da Violência - Caso Herzog (peça teatral representada)
A Caixa de Fósforo (peca teatral)
Esquerda Festiva (peça teatral representada)
A Paisagem Urbana em Machado de Assis (Prêmio da Academia Brasileira de Letras)
  • "Miniprefácio à 2ª edição" (p. 15-16), escrito pelo biógrafo, com destaque para esse trecho, porque revelador da atividade editorial:
Agora, graças a Herberto Sales e Ênio Silveira, esgotada a primeira edição (por sinal graficamente descuidada não pelo autor, mas pelas deficiências materiais e revisão falha), temos a segunda em plena comemoração do centenário de nascimento do escritor redescoberto, "maldito" em vida, glorificado, afinal, bem-sucedido literariamente após longa espera. [...]. (Ibid., p. 15).
  • "Lima Barreto, Escritor Maldito e a Consagração da Posteridade - de Tristão de Athayde" (p. 17);
  • I a X (p. 17, 21, 41, 53, 67, 85, 103, 127, 141, 157 e 169);
  • "Síntese biográfica" (p. 173);
  • "Obra completa de Lima Barreto" (p. 181). 
Até o presente momento, essas são as únicas edições já publicadas. Toda a obra de Hélcio Pereira da Silva caiu em ostracismo. Raros os textos disponíveis na Internet, inclusive, que permitam a efetiva apresentação de sua vida jornalístico-literária. O mesmo talvez possa-se dizer de Carvalho Netto. Francisco de Assis Barbosa sobrevive no imaginário coletivo como o primeiro biógrafo expressivo de Lima Barreto, mas, sua literatura é desconhecida atualmente, cujos títulos encontram-se esgotados, a despeito de "Vida de Lima Barreto" (em sua 11ª edição). João Antônio, em contrapartida, ressurgirá em breve, resgatado pela Editora 34, conforme notícia d'O Globo (31/10/2016).

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Francisco de Assis. (1952). A vida de Lima Barreto. Notas de revisão: Beatriz Resende. 10. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2012. 

FILGUEIRAS, Mariana. Nos anos 20 da morte do escritor João Antônio, material inédito será lançado em livro. O Globo, Rio de Janeiro, 31 out. 2016. Disponível em <https://goo.gl/dPsJJW>. Acesso em: 20 jul. 2017.

SCHWARCZ, Lilia Moritzs. Lima Barreto: triste visionário. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.

SILVA, Hélcio Pereira da. Lima Barreto, escritor maldito. [S.l.: s.n.], 1976. 

______. ______. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL, 1981.

quarta-feira, 12 de julho de 2017

Tem muita fruta podre entre a fome e o alimento*

Não conhecia Franciso de Assis Barbosa, de quem muito se tem falado ultimamente por ocasião do homenageado da Flip 2017. É dele a obra “A vida de Lima Barreto”, escrita, como observa, durante cinco anos (entre 1946 e 1951), entregue ao editor logo em seguida e publicada em 1952. Quando digo que não o conhecia, refiro-me, por exemplo, ao modo como lhe descreve o colega / amigo Otto Lara Resende, em “FAB ou Chico”. 

Impressionou-me saber não que “Lima Barreto ressuscitou na sua pesquisa” (isso já era de conhecimento público – ao menos, por parte de nós, professores de literatura), mas, como a própria pesquisa foi empreendida – nesse sentido, marcou-me muito ter lido seu “Prefácio da primeira edição” (1951) e suas notas “A propósito da quinta [e sexta] edição” (1974; 1981), além é claro da de Beatriz Resende “A propósito da oitava edição” (2002). 

A edição que eu tenho em mãos é a 10ª, de 2012, publicada pela José Olympio. Porém já folhei a 11ª, a cargo da Autêntica, não por acaso agora – lembrem-se: 2017 – FLIP – LIMA BARRETO – MERCADO. Qual a novidade? 

Obviamente, nesta edição, desapareceram textos presentes na da José Olympio quanto aos “Dados biobliográficos do autor” e o inventário de suas obras – estou tratando de Assis Barbosa, de cuja produção (dezesseis obras), a julgar pelos títulos, saltaram-me aos olhos cinco: “Os homens não falam demais”, “Testamento de Mário de Andrade e outras reportagens”, “Retratos de família”, “Machado de Assis em miniatura” e “Santos Dumont, inventor”. 

Obviamente, também, apareceram outros. Porque reedição tem disto: um morder e assoprar de carteira, em virtude do qual sai dolorido o leitor / consumidor – às vezes, enganado (é bom saber). Mas, o fato é que, à semelhança de um pinto no lixo, faço festa; e, à dona da casa (portanto, do próprio pinto e do próprio lixo e do que fazer com eles), incomoda-me saber da limpeza que me aguarda depois. 

Pois bem, vida às reedições! Aos achados! Porque, além das “Obras de Lima Barreto” tal como as organizou Assis Barbosa e outros, surgiram títulos até então inéditos – “Sátira e outras subversões” (2016, pela Companhia das Letras), por exemplo. Morte aos movimentos ludibriosos do mercado editorial! Há tantas Clara dos Anjos por aí, agora; tantos Triste fim de Policarpo Quaresma, que é preciso saber qual escolher. 

As barracas foram armadas. Tem muita fruta podre entre a fome o alimento. 

P.S.: Qualquer obra em domínio público é carne retalhada, salgada e vendida aos pedaços, para os mais distintos paladares. Tem disso também: gente que serve mal, gente que serve bem; gente que engole, gente que mastiga.
______
* Mas, fruta é fruta - dirão alguns.

quinta-feira, 25 de maio de 2017

#leiturasubjetiva

“Você está assistindo a
Sense8
Temporada 2: Ep. 2
Quem sou eu?”


- Sabe qual é o seu problema? [...]. Não está tentando entender nada. [...]. Porque rótulos são o oposto da compreensão. [...]. [...] o que coragem tem a ver com a cor da pele de um homem [, ou outro atributo, por exemplo]? Eu era só um garoto que adorava filmes. E os heróis que eu via faziam eu me sentir mais corajoso do que era. Mais engraçado. Mais inteligente. Eles me faziam sentir que podia fazer coisas que não achava que poderia fazer. Mas aquele garoto que assistia TV com a mãe, avó e tias não é o homem que virou ator, não é o homem que virou motorista [ou qualquer outro profissional, esse tipo de etiqueta]. O motorista [ou quem quer que reconheça como sendo eu] não é a mesma pessoa que você vê aqui.
- E quem eu vejo aqui?
- Quem sou eu? Quer dizer... De onde eu vim? O que um dia posso me tornar? O que faço? O que fiz? O que eu sonho? Quer dizer... O que você vê? O que eu vi? O que você vê ou o que eu vi? O que temo ou o que sonho? O que temo? O que sonho? Quer dizer quem eu amo? Quem eu amo? O que perdi? Quer dizer o que perdi? Quem sou eu? Acho que eu sou... Exatamente igual a você. Nem melhor. Nem pior. Porque ninguém nunca foi e nunca será exatamente igual a você ou a mim.

segunda-feira, 1 de maio de 2017

De João Guimarães Rosa, SONHAÇÃO: POR QUE FOI QUE EU CONHECI AQUELE MENINO? [1]

[...]. Não sei ler as instruções, mas tenho-as no sangue, a paixão do recorte, da seleção e da combinação. [...]. [...] subverto a regra, desfiguro o mundo: uma roupa feminina sobre um corpo masculino, e vice-versa. Compondo [...], acabo por aceitar a fatalidade [...]. Nada se cria. [...]. // [...]. Construo um mundo a minha imagem, um mundo onde me pertenço e é um mundo de papel. // [...]. Porque minha leitura não é monótona nem unificadora; ela faz explodir o texto, desmonta-o, dispersa-o. [...]. (COMPAGNON, 1996, p. 9-11, 13).

******

Aí, pois, de repente, vi um menino, encostado numa árvore [...]. Menino mocinho, pouco menos do que eu, ou devia de regular minha idade. Ali estava, [...] e se ria para mim. Não se mexeu. Antes fui eu que vim para perto dele. [...]. Aquilo ia dizendo, e [...] // [...] eu olhava esse menino, com um prazer de companhia, como nunca por ninguém eu não tinha sentido. Achava que ele era muito diferente, gostei daquelas finas feições, a voz mesma, muito leve, muito aprazível. Porque ele falava sem mudança, nem intenção, sem sobejo de esforço, fazia de conversar uma conversinha adulta e antiga. Fui recebendo em mim um desejo de que ele não fosse mais embora, mas ficasse, sobre as horas, e assim como estava sendo, sem parolagem miúda, sem brincadeira – só meu companheiro amigo desconhecido. [...]. Senti, modo meu de menino, que ele também se simpatizava a já comigo.

[...]. Disse que ia passear. [...]. Me perguntou se eu vinha. Tudo fazia com um realce de simplicidade, tanto desmentindo pressa, que a gente só podia responder que sim. Ele me deu a mão, [...] // [...] e nós escolhemos [...]. Era uma mão bonita, macia e quente, agora eu estava vergonhoso, perturbado. [...]. Eu não sabia nadar. [...].

[...]. Foi o menino quem me mostrou. [...]. Não me esqueci de nada, o senhor vê. Aquele menino, como eu ia poder deslembrar? [...]. Ele, o menino, era dessemelhante, já disse, não dava minúcia de pessoa outra nenhuma. [...]. Eu queria que ele gostasse de mim.

[...].

[...]. Eu tinha o medo imediato. E tanta claridade do dia. [...]. Alto rio, fechei os olhos. [...]. Quieto, composto, confronte, o menino me via. – “Carece de ter coragem...” – ele me disse. Visse que vinham minhas lágrimas? Dói de responder: – “Eu não sei nadar...” O menino sorriu bonito. Afiançou: – “Eu também não sei.” Sereno, sereno. Eu vi o rio. Via os olhos dele, produziam uma luz. – “Que é que a gente sente, quando se tem medo?” – ele indagou, mas não estava remoqueando; não pude ter raiva. – “Você nunca teve medo?” – foi o que me veio, de dizer. Ele respondeu: – “Costumo não...” – e, passado o tempo dum meu suspiro: – “Meu pai disse que não se deve de ter...” Ao que meio pasmei. Ainda ele terminou: – “... Meu pai é o homem mais valente deste mundo.” Aí o bambalango das águas, a avançação enorme roda-a-roda – o que até hoje, minha vida, avistei, de maior, foi aquele rio. Aquele, daquele dia. [...]. E o menino pôs a mão na minha. Encostava e ficava fazendo parte melhor da minha pele, no profundo, desse a minhas carnes alguma coisa. Era uma mão branca, com os dedos dela delicados. – “Você também é animoso...” – me disse. Amanheci minha aurora. [...].

[...]. Aonde o menino queria ir? [...].

[...].

[...].– “Você é valente, sempre?” – em hora eu perguntei. [...]. Dando fim, sem me encarar, declarou assim: – “Sou diferente de todo o mundo. Meu pai disse que eu careço de ser diferente, muito diferente...” E eu não tinha medo mais. Eu? O sério pontual é isto, o senhor escute, me escute mais do que eu estou dizendo; e escute desarmado. O sério é isto, da estória toda – por isto foi que a estória eu lhe contei eu não sentia nada. Só uma transformação, pesável. Muita coisa importante falta nome.

[...].

[...]. E o senhor me desculpe, de estar retrasando em tantas minudências. Mas até hoje eu represento em meus olhos aquela hora, tudo tão bom; e, o que é, é saudade.

______
[1] A citação de uma de minhas histórias por meio de algumas das citações de “Grande Sertão: Veredas”.

Referências:

COMPAGNON, Antoine. (1979). O trabalho da citação. Tradução: Cleonice P. B. Mourão. Belo Horizonte, Editora UFMG, 1996.

ROSA, João Guimarães. (1938). Grande sertão: veredas. 22. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015.

terça-feira, 18 de abril de 2017

Lendo, de E. Brum, “Escola sem pinto”

Muito oportuna a problematização assumida por Eliane Brum, em sua coluna no El País, sobre “a tentativa de censura a um livro didático no norte do país”. Sobretudo, pela tese que, claramente exposta e defendida, serve-lhe de subsídio para tal. Além disso, parabenizo o espaço de resposta por ela concedido a uma das autoras da obra posta em polêmica, a Prof. Dra. Mônica Waldhelm, que, com estas assertivas, dentre outras, nos adverte, professores, sobre o nosso papel no Brasil atual: 

De novo estamos de volta à tragédia da educação. E agora ela ecoa para muito além dos muros das escolas. A ignorância não é apenas uma tragédia, mas um instrumento. E, no Brasil, este instrumento nunca foi usado de forma tão articulada como hoje.
[...].
[Assim posto,] [...] reforço e valorizo a necessidade de um movimento de resistência organizado e coletivo – e portanto com mais impacto e eficiência – por parte dos educadores, frente às recentes e sistemáticas ações que buscam tirar a autonomia docente e isolar a sala de aula e a escola da vida real, alijando os alunos do debate acerca de questões contemporâneas cada vez mais relevantes. A busca por uma sociedade pautada na solidariedade, na alteridade, na justiça social, no respeito e na convivência pacífica passa pelo reconhecimento da diversidade como positiva. Questionar as muitas formas de preconceito e de exclusão social é papel de uma escola que pretende ajudar a construir um Brasil menos sexista, menos racista e menos homofóbico – e isso deve começar na Educação Infantil.

terça-feira, 31 de janeiro de 2017

A resistência de Luiz Costa Lima, para que tenhamos um eixo

Todas as “Anotações, memórias e planos da resistência” de Luiz Costa Lima registrados por Schneider Carpeggiani, na atual edição do Suplemento Pernambuco (jan. 2017), são destacáveis – sobretudo, ao ilustrarem o seu combate político ao que denomina “conservadorismo analfabético nacional”, esse comportamento no qual se constata a ausência da “tradição do pensamento” ou, não obstante, a presença de um “pensamento redundante” (aquele que louva). E, entregam-nos, por assim dizer, ao desafio da harmonização entre “o tempo em que se deveria cumprir uma certa experiência e seu efetivo cumprimento”. Acreditam? Eis um aperitivo (na verdade, o meu – o segredo está em descobrir o próprio alimento e fazê-lo comida):

[...]. A poesia pede para não ser considerada por quem não a considera. Ela está a favor da sua própria recusa. Não recusar a poesia significa pensar muito sério. Pensar poesia é um ato de resistência muito forte, porque é um pensamento forte, tão intenso quanto teoria física. [...].

Referência:

CARPEGGIANI, Schneider. Anotações, memórias e planos da resistência [de Luiz Costa Lima]. Suplemento Pernambuco, Recife, n. 131, p. 8-13, jan. 2017. Disponível em: <http://www.suplementopernambuco.com.br/ima…/…/PE_131_web.pdf>. Acesso em: 31 jan. 2017.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Garimpar é preciso

Primeiro: Millôr me tem, com o seu humor epifânico, porque fincado em nossa matéria de perdição / salvação, assim como as diversas representações artísticas de São Jorge, uma das insígnias de minha família. Segundo: volta e meia, vejo-me preso ao garimpo de peças como esta nas edições que já remontam algum tempo de revistas e/ou jornais brasileiros de grande circulação, extintos ou não. Terceiro: de repente, senti a urgência de (re)aprender a enxergar.


A propósito da fonte: Revista Veja (edição de 25/12/1968, p. 5).

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Assistindo à Bones (Temporada 10: Ep. 7) e lhe devendo uma cerveja – riso!

[...]
Bones: Imagino o que você [...] [deva estar sentindo].
Aubrey: Isso é problema meu. Não precisa...
Bones: Eu sei. [...] [Também experimentei algo semelhante]. Senti raiva por anos.
Aubrey: E como superou?
Bones: Não superei.
Aubrey: Esta não é uma conversa de consolo.
Bones: Não. A dor sempre vai existir. O desafio é não tentar fazê-la desaparecer.
Aubrey: Não é reconfortante.
Bones: Lutar é o problema. Lutamos para tentar mudar o passado ou esquecê-lo. Mas a dor faz parte de quem somos. É como a descoberta do quark. Foi uma reviravolta total nas teorias físicas. Houve fúria, houve briga, mas era verdade. E quando foi finalmente aceita, nos deu melhor compreensão da vida. Se a tivéssemos negado, não teria havido progresso.
Aubrey: Foi uma analogia muito inteligente.
Bones: Porque sou muito inteligente. Não é fácil, Aubrey, mas... Nada de valor é fácil.
Aubrey: Obrigado.
Bones: Eu deixei a carteira no trabalho. Talvez queira me pagar uma cerveja por agradecimento.
Aubrey: Eu gostaria muito.
Bones: Foi o que achei.
[...]