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terça-feira, 15 de novembro de 2016

“A literatura é apresentada na escola como velha, chata e obrigatória", dizem

Um perigo, penso eu, defender a tese de que “A literatura [ou] é apresentada na escola como velha, chata e obrigatória” ou, simplesmente, não é apresentada. Primeiro, porque precisamos nos perguntar: qual literatura, em que escola, e por quê? Modos são sempre vários, alguns coincidentes – para o bem ou para o mal; neste caso, favorecedores da formação de um leitor literário que oscila entre o comum e o incomum. Segundo, devido à singularidade do trabalho de resposta a essas perguntas, que, se levado a sério, opõe-se, invariavelmente, à indução de ideias generalizantes como a que se coloca. A partir de minha experiência enquanto professor de Língua Portuguesa, nos anos finais do ensino fundamental e do ensino médio, por exemplo, percebo outros obstáculos, e impostos a um empreendimento anterior ao do letramento literário: o da formação leitora e escritora do sujeito, que, às vezes, ou na maioria delas, não se sabe sócio-histórico-cultural. A começar por aqui, por essa constatação, talvez o nosso trabalho seja mais fundo.

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

A literatura me abre os olhos

[...]. Se tivesse a tolice de se perguntar ´quem sou eu?´ cairia estatelada e em cheio no chão. É que ´quem sou eu?´ provoca necessidade. E como satisfazer a necessidade? Quem se indaga é incompleto. (LISPECTOR, 2006, p. 15).

Referência:

LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 2006, p. 15.

terça-feira, 8 de novembro de 2016

Ler e escrever (literatura)

Especialmente, aos professores que assumem essa lida

Acredito mesmo na leitura e na escrita enquanto metonímias da inclinação do sujeito sócio-histórico-cultural à interpretação de si e do mundo, e de sua urgência em transformar a ambos. Numa interdependência que se sabe relativa, quando da associação do exercício escritor ao leitor. E, por isso, na ação docente para favorecer esses dois movimentos sem, no entanto, distanciá-los. Agradecendo, é claro, a Gustavo Bernardo, por tais lições, sobretudo em “Ler é preciso assim como ser livre é preciso” e “Espelho”. É sua a crença, por exemplo, de que os livros nos servem principalmente como espelho; entregando-nos um vazio abissal, a partir do qual, cada um, ao seu modo, busca preenchê-lo. Pois, como nos adverte, “Dizem que as perguntas fundamentais são quatro. Quem sou eu? De onde vim? Para onde vou? Afinal de contas, o que estou fazendo aqui?” (BERNARDO, 2010). Ao menos, para que não se precise fazer elogio à superficialidade. Porque, sim, “[...] somos condenados à leitura.” (BERNARDO, 2002). Digo, por extensão, que literatura, o seu estudo, a sua leitura, tem que arder. Concordam?

Sobre o segundo texto, a propósito, lancei esses desafios aos meus alunos da 3ª série do Ensino Médio, aguardando ansiosamente por sua resposta:
  1. Se irrespondíveis como sugere Gustavo Bernardo, as quatro perguntas fundamentais à existência humana justificam-se de que modo? Demonstre.
  2. O que experimentariam aqueles obstinados em respondê-las, na perspectiva do autor? Explique.
  3. Como você responderia a cada uma delas?
  4. Esclareça a metáfora do espelho nesse contexto. Para isso, considere a seguinte passagem: “O primeiro livro que a gente lê é um dos primeiros espelhos”.
  5. “Ler é um movimento externamente passivo [...]. Escrever, por sua vez, [...] ativo [...]”. Justifique, discutindo a relação entre leitura e escrita apontada pelo autor.
  6. Segundo Gustavo Bernardo, o que leva as pessoas a ler e a escrever? Quais os benefícios desses esforços e por que se pode afirmar como sua direção a do espelho? Problematize.
  7. As concepções de leitura e de escrita defendidas no texto sob análise coincidem com aquelas por você formuladas ao longo de sua escolarização? Compare-as.
  8. Ler para entender o mundo e escrever para transformá-lo: assim você o faz? Analise.


Referência:

BERNARDO, Gustavo. Ler é preciso assim como ser livre é preciso. In: SERRA, Elizabeth D’Angelo (Org.). Ler é preciso. São Paulo: Global, 2002. p. 131-137.

______. Ato: espelho. In: ______. Redação inquieta. São Paulo: Rocco, 2010.

Quem diz a literatura

Revela-me, o Instituto Camões, estar lendo, Sophia de Mello Breyner Andresen, um fragmento de sua Arte Poética [III], texto divulgado pela autora em “11 de julho de 1964, no almoço de homenagem promovido pela Sociedade Portuguesa de escritores, por ocasião da entrega do grande Prêmio de Poesia, atribuído a ‘Livro Sexto’” – inclusive, de fácil localização na Internet. Embora o vídeo, pelo que se confirma no CINEPT – Cinema Português, seja um trecho de um curta-metragem de 17 min, produzido em 1969 por João César Monteiro, e estreado em 1972. De todo modo, vale o compartilhamento.

Sobretudo por uma passagem que me prova precisarem, sim, os nossos alunos, de nossa ajuda, seus professores de língua portuguesa (e literatura), para olhar esse mar (a poesia, a arte) que ainda não “conhecem” – tal como Diego de seu pai, Santiago Kovadloff, nas palavras que Eduardo Galeano registra n’O livro dos abraços como “A função da arte/1”. Ei-la:

A coisa mais antiga de que me lembro [...] [não] era nada de fantástico, não era nada de imaginário: era a própria presença do real que eu descobria. Mais tarde a obra de outros artistas veio confirmar a objectividade do meu próprio olhar. [...]. [...] faz parte do real e é destino, realização, salvação e vida [a obra de arte]. [...]. É apenas uma questão de atenção, de sequência e de rigor. E é por isso que a poesia é uma moral. E é por isso que o poeta é levado a buscar a justiça pela própria natureza da sua poesia. E a busca da justiça é desde sempre uma coordenada fundamental de toda a obra poética. [...]. Esta lógica é íntima, interior, consequente consigo própria, necessária, fiel a si mesma. [...]. Eis-nos aqui reunidos [...].