Talvez seja esta a minha história entre as de Valter Hugo Mãe, ou não. Mas, as suas antíteses ou paradoxos (mágoa/ternura, morte/quietude), alguns de seus aforismos ("Os santos aparecem, os demónios assombram"), além de certas prosopopeias e, principalmente, metáforas ("Era tudo velho. A gente, os sonhos, os medos e as montanhas."), arrebatam-me de um modo que eu, ainda, estou tentando compreender. Vejam-no:
[...].
Podia ser que eu estivesse ainda mais magra por ter ficado vazia dos poucos gramas que pesava a alma. A minha mãe chamava-me estúpida. Perguntei-lhe que sentido encontrava na vida. O que andaríamos ali a tentar descobrir. Mas ela nunca o saberia. Surpreendeu-me com a profundidade da questão. [...]. Magoávamo-nos, acreditava eu, sempre por causa da ternura. Como que a reclamá-la enquanto a perdíamos de vez.
Mais tarde, ouvia-a alertar o meu pai. Em alguns casos de morte entre gémeos o sobrevivo vai morrendo num certo suicídio. [...].
[...]. Não queria morrer. Estava entre matar e morrer, mas não queria uma coisa nem outra. Queria ficar quieta.
Repeti: a morte é um exagero. Leva demasiado. Deixa muito pouco.
[...]. Obrigada a andar cheia de almas, eu era um fantasma. [...]. As nossas pessoas olhavam-me sem saber se viraria santa ou demónio. Os santos aparecem, os demónios assombram. (MÃE, 2014, p. 9-13).
REFERÊNCIA
MÃE, Valter Hugo. A desumanização. São Paulo: Cosac Naify, 2014. p. 9-13.