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terça-feira, 25 de julho de 2017

Um convite para conhecer José Pacheco

É preciso conhecer José Pacheco, para quem “as comparações e os rankings são disparates” ou, ainda, “os professores [...] deveriam procurar caminhos de alforria científica e a sua maioridade educacional, sem prescindir do que venha do estrangeiro” porque, na maioria das vezes, “novidades importadas não passam de inovações requentadas”. Na entrevista que concedeu à Notícias Magazine, em abril de 2017, muitas são as chamadas para reflexão sobre a profissão professor, ensinar e aprender, a mudança de que a escola necessita etc., dentre as quais destaco:
  1. “Apercebemo-nos que o maior aliado de um professor é o outro professor, mas, também, que o maior inimigo de um professor que ouse fazer diferente para melhor é o professor da escola do lado [...]”;
  2. “A aprendizagem é antropofágica. Não se aprende o que o outro diz, apreendemos o outro. Um professor não ensina aquilo que diz, transmite aquilo que é. Poderá acontecer aprendizagem em sala de aula, se forem criados vínculos e esses vínculos não são apenas afetivos, também são do domínio da emoção, da ética, da estética...”;
  3. “O sistema somos nós. Que rigor e que exigência existem num modelo educacional no qual alunos do século XXI são ‘ensinados’ por professores do século XX, que recorrem a práticas oriundas do século XIX?”;
  4. “[...] a profissão de professor não é um ato solitário, mas solidário. [...] o trabalho em equipa pressupõe um permanente convívio, estabilidade e lealdade a valores e princípios de um projeto [...]”;
  5. “O professor assume dignidade profissional, sendo autónomo-com-os-outros. Porque um professor não ensina aquilo que diz, transmite aquilo que é. E enquanto o exercício da profissão não se pautar por critérios de natureza pedagógica, enquanto a burocracia prevalecer em detrimento da pedagogia, os professores continuarão a ser considerados os ‘bodes expiatórios’ dos males do sistema”;
  6. “São muitos e diversos os caminhos de mudança, sendo urgente que os educadores compreendam o que significa o termo ‘currículo’. É preciso experimentar um novo modo de organização, em equipas de pessoas autónomas e responsáveis, todas cuidando de si mesmas e de todo o resto, numa escola realmente ‘pública’. Não negando o potencial da razão e da reflexão, juntar-lhe as emoções, os sentimentos, as intuições e as experiências de vida. E uma escuta que, para além do seu significado metodológico, terá de ser humanamente significativa [...]”;
  7. “É preciso apenas que haja gente, educadores conscientes da necessidade e possibilidade de mudança, que se constituam numa equipa de projeto. Que saibam escutar sonhos e necessidades da comunidade em que estejam inseridos. E que ajam em função da lei e da ciência. Não há duas escolas iguais, nem acredito em modelos.”

quinta-feira, 20 de julho de 2017

De Hélcio Pereira da Silva, "Lima Barreto, escritor maldito" (1976; 1981)

Leio na 10ª edição de “A vida de Lima Barreto” (2012), biografia escrita por Francisco de Assis Barbosa entre 1946 e 1951 e publicada no ano seguinte, que em outras obras da década de 70 o perfil biográfico desse autor é traçado:
O meu velho companheiro de A Noite, dos bons velhos tempos, Carvalho Netto, publicou em 1977 o seu livro de memórias, Norte: oito quatro, em que traça um excelente perfil de Lima Barreto, de quem foi amigo. Há ainda, a registrar os livros de cunho popular: o de H. Pereira da Silva, Lima Barreto, escritor maldito (1976) e o de João Antonio, Calvário e porres do pingente Afonso Henriques de Lima Barreto (1977). (BARBOSA, 2012 [1981], p. 23).
Certamente, compará-las permite adentrar mais ainda a literatura barretiana, a qual, como se sabe, mostra-se aqui e acolá autobiográfica. E, em se tratando desses “biógrafos”, coetâneos de Lima Barreto, curiosidades parecem esperar por sua revelação na leitura ávida daqueles que a esse tipo de atividade costumam aventurar-se. 

Além disso, quando uma nova bio(blio)grafia sobre um autor é lançada, há de se verificar a sua filiação com as anteriores, sobretudo para compreender os deslocamentos narrativo-temáticos em virtude dos quais ela surge, no restabelecimento da vida e da obra a que se propõe cercar. Agora, em 2017, que a Companhia das Letras publica, de Lilia Moritz Schwarcz, “Lima Barreto: triste visionário”, por exemplo, a biógrafa esclarece:
Não há como passar pela história da vida de Lima Barreto e da recepção de sua obra sem ter ao lado, e quase como guia de viagem, o livro de Francisco de Assis Barbosa publicado em 1952: a primeira biografia completa de Lima. Ele também liderou [...] uma verdadeira operação editorial com o objetivo de trazer de volta ao público, na década de 1950, a integralidade dos textos do autor. [...]. (SCHWARCZ, 2017, p. 19).
Evidentemente, outras operações editoriais também são interessantes e necessárias. Como confrontar as várias edições de uma mesma obra, garimpando aquilo que se deixou perder na segunda em relação à primeira, e assim por diante. Afinal, o zelo que, na prática de edição, restabelece a voz autoral não a liberta de todo. Vejamos, a seguir, o caso de H. Pereira da Silva.

A obra "Lima Barreto, escritor maldito" foi publicada em sua primeira edição em 1976. Na capa, atribuída a Claudio Valério Teixeira, lê-se uma espécie de subtítulo ausente na segunda: “Malditos são todos aqueles que dizem verdades incômodas”. Não há indicação da editora. 


Sem ficha catalográfica, o próprio ano da publicação é informado na lombada, na folha de rosto e na última página (240), onde nota-se “Composto e impresso no Departamento Gráfico do M. A. F. C., Rua Aristides Lobo, 106, em julho de 1976.” e fixa-se a seguinte errata: “EM TEMPO: Alguns insignificantes cochilos de revisão passaram despercebidos. Entre outros, na página 59, leia-se: ‘Anchieta, pensamento luso’...”. Talvez a contracapa seja reveladora, para a identificação da editoria: nela, o livro acaba apresentado como o sétimo dos 10 vol. que compõem a “GALERIA DE RETRATOS PSÍQUICOS”, projeto de H. Pereira da Silva. 


Sua orelha, “Ninguém foi mais brasileiro que Lima Barreto”, não é assinada e desaparece da segunda edição (1981, agora pela Civilização Brasileira, INL-MEC), sendo substituída por uma de Modesto de Abreu, sem título. 

As dedicatórias também se alteram. Antes: “A Francisco de Assis Barbosa que ressuscitou Lima Barreto, Lázaro do esquecimento, este livro” e “À ausência da grande presença: minha mãe” – nesta ordem. Depois: “À ausência da grande presença: minha mãe”, “A Antonio Houaiss, Francisco de Assis Barbosa, R. Magalhães Júnior” e “À memória de M. Cavalcanti Proença, Osman Lins e (Mário) José de Almeida”.

Compõem-na, excetuando-se folha de guarda, de rosto e as dedicatórias (SILVA, 1976, p. 5, 7),
  • NOTÍCIA LITERÁRIA” do biógrafo (na próxima edição, “Notícia biobliográfica do autor”, com alguns acréscimos: a crítica de Gilberto Freyre – “Ótimo livro!”- e “Outros livros” de H. Pereira da Silva, devidamente relacionados) (p. 11-14);
  • PROFISSÃO DE FÉ”, uma seção epigráfica, depois sem esse título, na qual encontra-se um trecho literário do biografado: “Nunca, na minha vida, tentei coisa mais desinteressada do que escrever as minhas confusas emoções e pobres julgamentos; e nunca esperei desse meu ato senão aquilo que, entre nós, a literatura pode dar digna, limpamente” (p. 17);
  • A VEZ DE LIMA BARRETO”, espécie de apresentação da biografia, elaborado pelo próprio biógrafo (p. 21-27);
  • Dez capítulos, não intitulados (p. 29-222);
  • OBSERVAÇÃO”, ausente na edição posterior;
OBSERVAÇÃO: Em vida, Lima Barreto editou por conta própria, "TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA", "NUNO [sic] E A NINFA", em 1916. Viu seu primeiro romance, "RECORDAÇÕES DO ESCRIVÃO ISAÍAS CAMINHA" publicado em Portugal pela Livraria Clássica em 1909 sem receber direitos autorais. Tirou, fazendo empréstimos, novas edições. Não tinha editor. O primeiro e único, foi Monteiro Lobato que, como vimos, pagou os direitos autorais de "VIDA E MORTE DE M. J. GONZAGA DE SÁ".
Foi tudo o que conseguiu. Agora faz a riqueza de qualquer editor. (p. 225).
  • SÍNTESE BIOGRÁFICA” (p. 229-235); e,
  • OBRA COMPLETA” de Lima Barreto (p. 239-240).

Quanto à segunda edição (revista por Nilza Morais, Heloisa Pires Mesquita e Luiz Augusto Pires Mesquita), a despeito do que já se revelou, sua capa é atribuída a "DOUNÊ sobre desenho de D. Ismailovitch".



Compõem-na, ao longo de suas 184 páginas, excetuando-se folha de guarda, de rosto, dedicatória e sumário (SILVA, 1981, p. 5, 7, 9),
  • "Notícia Biobliográfica do Autor" (SILVA, 1981, p. 11-14), semelhante à "NOTÍCIA LITERÁRIA" da edição anterior, com o acréscimo dos "OUTROS LIVROS" escritor por H. Pereira da Silva (Ibid., p 14):
Bacia das Almas (esg.)
Neuroses Coletivas do Século XX (esg.) 
Terra dos Papagaios (esg.)
Sobre os Romances de Machado de Assis (esg.)
Diálogos com Machado de Assis (esg.)
Maldito de Todos os Santos (peça teatral, esg.)
O Processo da Violência - Caso Herzog (peça teatral representada)
A Caixa de Fósforo (peca teatral)
Esquerda Festiva (peça teatral representada)
A Paisagem Urbana em Machado de Assis (Prêmio da Academia Brasileira de Letras)
  • "Miniprefácio à 2ª edição" (p. 15-16), escrito pelo biógrafo, com destaque para esse trecho, porque revelador da atividade editorial:
Agora, graças a Herberto Sales e Ênio Silveira, esgotada a primeira edição (por sinal graficamente descuidada não pelo autor, mas pelas deficiências materiais e revisão falha), temos a segunda em plena comemoração do centenário de nascimento do escritor redescoberto, "maldito" em vida, glorificado, afinal, bem-sucedido literariamente após longa espera. [...]. (Ibid., p. 15).
  • "Lima Barreto, Escritor Maldito e a Consagração da Posteridade - de Tristão de Athayde" (p. 17);
  • I a X (p. 17, 21, 41, 53, 67, 85, 103, 127, 141, 157 e 169);
  • "Síntese biográfica" (p. 173);
  • "Obra completa de Lima Barreto" (p. 181). 
Até o presente momento, essas são as únicas edições já publicadas. Toda a obra de Hélcio Pereira da Silva caiu em ostracismo. Raros os textos disponíveis na Internet, inclusive, que permitam a efetiva apresentação de sua vida jornalístico-literária. O mesmo talvez possa-se dizer de Carvalho Netto. Francisco de Assis Barbosa sobrevive no imaginário coletivo como o primeiro biógrafo expressivo de Lima Barreto, mas, sua literatura é desconhecida atualmente, cujos títulos encontram-se esgotados, a despeito de "Vida de Lima Barreto" (em sua 11ª edição). João Antônio, em contrapartida, ressurgirá em breve, resgatado pela Editora 34, conforme notícia d'O Globo (31/10/2016).

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Francisco de Assis. (1952). A vida de Lima Barreto. Notas de revisão: Beatriz Resende. 10. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2012. 

FILGUEIRAS, Mariana. Nos anos 20 da morte do escritor João Antônio, material inédito será lançado em livro. O Globo, Rio de Janeiro, 31 out. 2016. Disponível em <https://goo.gl/dPsJJW>. Acesso em: 20 jul. 2017.

SCHWARCZ, Lilia Moritzs. Lima Barreto: triste visionário. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.

SILVA, Hélcio Pereira da. Lima Barreto, escritor maldito. [S.l.: s.n.], 1976. 

______. ______. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL, 1981.

quarta-feira, 12 de julho de 2017

Tem muita fruta podre entre a fome e o alimento*

Não conhecia Franciso de Assis Barbosa, de quem muito se tem falado ultimamente por ocasião do homenageado da Flip 2017. É dele a obra “A vida de Lima Barreto”, escrita, como observa, durante cinco anos (entre 1946 e 1951), entregue ao editor logo em seguida e publicada em 1952. Quando digo que não o conhecia, refiro-me, por exemplo, ao modo como lhe descreve o colega / amigo Otto Lara Resende, em “FAB ou Chico”. 

Impressionou-me saber não que “Lima Barreto ressuscitou na sua pesquisa” (isso já era de conhecimento público – ao menos, por parte de nós, professores de literatura), mas, como a própria pesquisa foi empreendida – nesse sentido, marcou-me muito ter lido seu “Prefácio da primeira edição” (1951) e suas notas “A propósito da quinta [e sexta] edição” (1974; 1981), além é claro da de Beatriz Resende “A propósito da oitava edição” (2002). 

A edição que eu tenho em mãos é a 10ª, de 2012, publicada pela José Olympio. Porém já folhei a 11ª, a cargo da Autêntica, não por acaso agora – lembrem-se: 2017 – FLIP – LIMA BARRETO – MERCADO. Qual a novidade? 

Obviamente, nesta edição, desapareceram textos presentes na da José Olympio quanto aos “Dados biobliográficos do autor” e o inventário de suas obras – estou tratando de Assis Barbosa, de cuja produção (dezesseis obras), a julgar pelos títulos, saltaram-me aos olhos cinco: “Os homens não falam demais”, “Testamento de Mário de Andrade e outras reportagens”, “Retratos de família”, “Machado de Assis em miniatura” e “Santos Dumont, inventor”. 

Obviamente, também, apareceram outros. Porque reedição tem disto: um morder e assoprar de carteira, em virtude do qual sai dolorido o leitor / consumidor – às vezes, enganado (é bom saber). Mas, o fato é que, à semelhança de um pinto no lixo, faço festa; e, à dona da casa (portanto, do próprio pinto e do próprio lixo e do que fazer com eles), incomoda-me saber da limpeza que me aguarda depois. 

Pois bem, vida às reedições! Aos achados! Porque, além das “Obras de Lima Barreto” tal como as organizou Assis Barbosa e outros, surgiram títulos até então inéditos – “Sátira e outras subversões” (2016, pela Companhia das Letras), por exemplo. Morte aos movimentos ludibriosos do mercado editorial! Há tantas Clara dos Anjos por aí, agora; tantos Triste fim de Policarpo Quaresma, que é preciso saber qual escolher. 

As barracas foram armadas. Tem muita fruta podre entre a fome o alimento. 

P.S.: Qualquer obra em domínio público é carne retalhada, salgada e vendida aos pedaços, para os mais distintos paladares. Tem disso também: gente que serve mal, gente que serve bem; gente que engole, gente que mastiga.
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* Mas, fruta é fruta - dirão alguns.