Hospital New Amsterdam – T1:E3
Para melhor captura das cenas abaixo,
ler, de Lya Luft, O silêncio dos amantes.
A inteligência não para; qual águia, que só procura as alturas e vencer o espaço, ela, a par do tempo, que deixa cair cada dia um grão de areia da ampulheta da eternidade, ganha um passo na perfeição, novas descobertas nos traz e na comparação do passado substitui com a experiência o que na prática se tornou inferior. Bastará lançar os olhos para época não muito remota para surpreender-nos a revolução universal operada por ela.
Pode-se quase dizer que a inteligência e a perseverança do homem, de mãos dadas, poderiam resolver a própria natureza.
Astro nimiamente luminoso como ela é, a despeito mesmo das névoas do indiferentismo, luz cada vez com mais intensidade e vai deslumbrar a vista dos que no antro da ignorância nunca a viram, nem a conhecem; e se, qual flor, uma ou outra vez se elanguesce ao descambar de um dia, é para na aurora do outro mais viçosa e brilhante reverdecer, orvalhada pela fé do progresso.
E a literatura, cadeia que liga as tradições dos séculos, monumento que jamais a mão do tempo poderá abalar, é a filha mais mimosa da inteligência.
[...].
A vida é mais que um jogo de paciência, de gato e rato, de cabo de guerra. É preciso refletir detalhadamente sobre os afetos e desafetos daqueles que nos são mais próximos. Sempre com a coragem de olhar na cara do próprio medo e desvestir a falsa coragem, que apenas agride. Só assim para mostrá-la, não nua, mas vazia. Isso ajuda bastante a nos aproximarmos da verdade que nos deixa enxergar com mais clareza e com mais calma tudo o que o tempo nos ensinou, matou e salvou.
Necessitamos dessa confissão para que a vida vivida fique mais leve e a morte futura não nos assuste tanto.KAFKA, Franz. Carta ao pai prezado e temido [fragmento]. In: BENTACUR, Paulo (Org.). Três pais. São Paulo: Atual Editora, 2014. p. 47.
CENA XIX
SEGISMUNDO
SEGISMUNDO
Verdade é, pois reprimamos
esta fera condição,
esta fúria e ambição,
para um dia que sonhemos.
Aprendamos, pois vivemos
em mundo tão singular,
que o viver é só sonhar;
e ensina-me a vida mãe
que na sua vida o homem
sonha o que é ´te acordar.
Sonha o rei que é rei, e segue
com este engano mandando,
ordenando e governando;
e esse aplauso, que recebe
fingido, no vento escreve,
e em cinzas a dura morte
o torna, ó triste sorte!
Mas há quem queira reinar
Vendo que há-de despertar
no triste sonho da morte?
Sonha o rico sua riqueza,
que mais zelos lhe oferece;
sonha o pobre que padece
sua miséria e pobreza;
sonha o que adquire grandeza,
sonha o que luta e pretende,
sonha o que agrava e ofende,
e no mundo, em conclusão,
todos sonham o que são,
e porém ninguém o entende.
Eu sonho que estou aqui
destes ferros carregado,
e sonhei que noutro estado
mais lisonjeiro me vi.
Que é a vida? Um frenesi.
Que é a vida? Uma ilusão,
uma sombra, uma ficção,
e o maior bem pouco é;
pois que a vida sonho é,
e os sonhos, sonhos são.
DE LA BARCA, Pedro Calderón. A vida é sonho. Tradução: Manuel Gusmão. Lisboa: Editorial Estampa; Empresa de Publicidade Seara Nova, 1973 [1635]. p. 130-131.
SEGISMUNDO (só) — É certo; então reprimamos
esta fera condição,
esta fúria, esta ambição,
pois pode ser que sonhemos;
e o faremos, pois estamos
em mundo tão singular
que o viver só é sonhar
e a vida ao fim nos imponha
que o homem que vive, sonha
o que é, até despertar.
Sonha o rei que é rei, e segue
com esse engano mandando,
resolvendo e governando.
E os aplausos que recebe,
vazios, no vento escreve;
e em cinzas a sua sorte
a morte talha de um corte.
E há quem queira reinar
vendo que há de despertar
no negro sonho da morte?
Sonha o rico sua riqueza
que trabalhos lhe oferece;
sonha o pobre que padece
sua miséria e pobreza;
sonha o que o triunfo preza,
sonha o que luta e pretende,
sonha o que agrava e ofende
e, no mundo, em conclusão,
todos sonham o que são,
no entanto ninguém entende.
Eu sonho que estou aqui
de correntes carregado
e sonhei que noutro estado
mais lisongeiro [sic] me vi.
Que é a vida? Um frenesi.
Que é a vida? Uma ilusão,
uma sombra, uma ficção;
o maior bem é tristonho,
porque toda a vida é sonho,
e os sonhos, sonhos são.
DE LA BARCA, Pedro Calderón. A vida é sonho. Tradução: Renata Pallottini. São Paulo: Hedra, 2010 [2007]. p. 74-75.
“Sinopse: O Riso reúne três artigos escritos pelo filósofo francês Henri Bergson em 1899 para a Revue de Paris, reunidos em livro no ano seguinte. Nestes três textos, o autor busca elucidar o significado do cômico e o que está por trás do riso como fenômeno social. As formas desajeitadas, os desvios de padrão e o feio são alguns dos motivadores do riso. Decorre daí a hipótese de Bergson de que o cômico depende de certa insensibilidade humana, uma exigência de que o outro se encaixe em padrões sociais. O pensamento original e incisivo de Bergson, neste e em outros ensaios, o tornou um dos mais influentes filósofos modernos, com ideias que impactam a intelectualidade até hoje.”
“[...] meu amigo Capiba [1904-1997], um grande compositor, [...] ficava indignado quando diziam que cachorro gosta de osso. Ele dizia: ‘Só dão osso ao cachorro, [...] ele come com avidez, aí dizem [que] ele é louco por osso; ele é louco por comida, como todo mundo [...]. Bote um filé e bote um osso pra ver qual é o que o cachorro escolhe’. Acontece que não estão dando oportunidade ao povo brasileiro, principalmente aos jovens, de entrar em contato com o filé. Só dão osso a eles.
No mais, tudo é menor. O socialismo, a astrofísica, a especulação imobiliária, a ioga [...] ... tudo é menor. O homem só tem duas missões importantes: amar e escrever à máquina. Escrever com dois dedos e amar com a vida inteira.
MARIA, Antônio. Café com leite [fragmento]. In: ______. Crônicas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. p. 59-60.
[...]. Amor, a gente espera, como o pescador espera o seu peixe, ou o devoto espera o seu milagre: em silêncio, sem se impacientar com a demora. E, amor, a gente não conta pelo jornal a não ser quando o sentimento trai a frase, juntando palavras que deveriam estar sempre separadas.
MARIA, Antônio. A noite é uma lembrança [fragmento]. In: ______. Crônicas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. p. 31-33.
Escrevo estas linhas em agosto de 1943, depois da batalha de Stalingrado e da queda de Mussolini. Meu livro vai para o linotipista. Não quis que se compusesse sem acrescentar-lhe algumas palavras, menos de explicação ou desculpa do que de exame da conduta literária diante da vida.
É um livro de prosa, assinado por quem preferiu quase sempre exprimir-se em poesia. Esse suposto poeta não desdenha a prosa, antes a respeita a ponto de furtar-se a cultivá-la. Seria inútil repisar o confronto das duas formas de expressão, para atribuir superioridade a uma delas. Mas a verdade é que se a poesia é a linguagem de certos instantes, e sem dúvida os mais densos e importantes da existência, a prosa é a linguagem de todos os instantes, e há uma necessidade humana de que não somente se faça boa prosa como também de que nela se incorpore o tempo, e com isto se salve esse último.
Não há muitos prosadores, entre nós, que tenham consciência do tempo, e saibam transformá-lo em matéria literária. Frequentemente a literatura se faz à margem do tempo ou contra ele - seja por incapacidade de apreensão, covardia ou cálculo. Daí o vazio e o desconforto do texto literário, como a insatisfação que ele desperta em cada vez mais descrentes leitores. E pouco importa que haja muitos leitores, uma vez que eles não amem o autor nem se confessem devedores de alguma coisa tirada ao livro.
Este livro começa em 1932, quando Hitler era candidato (derrotado) a presidente da República e termina em 1943, com o mundo submetido a um processo de transformação pelo fogo. Os que tiveram a sorte de viver em tal período serão bem mesquinhos se se embriagarem com a vaidade do espectador de um drama exemplar ou com a do passageiro no transatlântico de luxo. Eles próprios terão de confessar-se transformados, mais sérios e esclarecidos, mais determinados quanto aos problemas fundamentais do indivíduo e da coletividade. Não lhes bastará fazer uso contínuo da palavra cultura ou da palavra justiça, mas antes devem contribuir com tudo o que tenham de bom para que essas palavras assumam o seu conteúdo verdadeiro ou, então, sejam varridas do dicionário.
Declaro honestamente que falta a meu livro isso que para mim, neste domingo de agosto, é o mais precioso de tudo: falta-lhe o tempo, com suas definições. As páginas foram-se escrevendo mais para contar ou consolar o indivíduo das Minas Gerais, e dizem bem pouco das relações desse indivíduo com o formidável período histórico em que lhe é dado viver. Mesmo assim, não as desprezo. Dou-as como um depoimento negativo, indicando aos mais novos que devem formular depoimentos positivos, autênticos e até mesmo impiedosos, se for o caso.
Já não tenho medo de escravizar-me à vida, e acho que uma sutileza que não resista à prova da convivência mais larga é apenas um vício. E digo aos rapazes: Rapazes, se querem que a literatura tenha algum préstimo no mundo de amanhã (o mundo melhor que, como todas as utopias, avança inexoravelmente), reformem o conceito de literatura. Já não é possível viver no clima das obras-primas fulgurantes e... podres, e legar ao futuro apenas esse saldo dos séculos. Reformem a própria capacidade de admirar e de imitar, inventem olhos novos ou novas maneiras de olhar, para merecerem o espetáculo novo de que estão participando. Se lhes disserem que nada disso é novo e que já houve guerras, e depois armistícios e depois outras guerras etc., etc., não levem a sério essa falsa experiência histórica, que impede qualquer melhoria da história. Se tudo foi dito, então o remédio é o suicídio sob qualquer de suas formas, inclusive a do beato e precário contentamento de existir na época do rádio e das roupas de vidro. Prefiro acreditar que nada foi feito nem escrito nem descoberto. Que estamos começando a nascer, e que os gênios nacionais e estrangeiros não foram ainda inventados. Porque antes negá-los todos do que viver esmagado por eles, e como pesam!, de todo o peso da aceitação e da facilidade.
Não estou pois dentro deste livro de retalhos, e sim fora dele. Mas sinto que foi um caminho pelo qual cheguei a uma excelente cidade, de ruas largas e populosas. Ele abriu minhas gavetas secretas. Libertou-me de alguns fantasmas particulares. Agiu. Hoje não escreveria quase nada do que aí se contém, mas por isso mesmo a sensação de desprendimento e liberdade é maior. Vamos andando.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Escrevo estas linhas. In: ______. Confissões de Minas. São Paulo: Cosac Naify, 2011. p. 11-14.
Se lo contaré y me creerá. Lo que más nos encanta de las cosas, es lo que ignoramos de ellas conociendo algo. Igual que las personas: lo que más nos ilusiona de ellas es lo que nos hacen sugerir. El colorido espiritual que nos dejan, es a base de un poco que nos dicen y otro poco que no nos dicens. Ese misterio que creamos adentro de ellas lo apreciamos mucho porque lo creamos nosotros. Hay personas que lo dicen todo y no nos diejan crear nuestro misterio. Una excepción son las personas muy simples; nos hacen pensar que eso tan simple no son ellas y pasamos toda la vida pensando qué habrá en su interior. Yo soy de las personas que lo dicen todo y no dejan crear el misterio. Yo quiero ilusionar a Juana y por eso quiero hacer surgir el misterio.
HERNÁNDEZ, Felisberto. (1929). Libro sin tapas: drama o comedia en uno o varios cuadros [fragmento]. In: ______. Felisberto Hernández: obras completas. Bogotá: Ojo Peregrino, 2018. E-book.
O meu velho companheiro de A Noite, dos bons velhos tempos, Carvalho Netto, publicou em 1977 o seu livro de memórias, Norte: oito quatro, em que traça um excelente perfil de Lima Barreto, de quem foi amigo. Há ainda, a registrar os livros de cunho popular: o de H. Pereira da Silva, Lima Barreto, escritor maldito (1976) e o de João Antonio, Calvário e porres do pingente Afonso Henriques de Lima Barreto (1977). (BARBOSA, 2012 [1981], p. 23).
Não há como passar pela história da vida de Lima Barreto e da recepção de sua obra sem ter ao lado, e quase como guia de viagem, o livro de Francisco de Assis Barbosa publicado em 1952: a primeira biografia completa de Lima. Ele também liderou [...] uma verdadeira operação editorial com o objetivo de trazer de volta ao público, na década de 1950, a integralidade dos textos do autor. [...]. (SCHWARCZ, 2017, p. 19).
OBSERVAÇÃO: Em vida, Lima Barreto editou por conta própria, "TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA", "NUNO [sic] E A NINFA", em 1916. Viu seu primeiro romance, "RECORDAÇÕES DO ESCRIVÃO ISAÍAS CAMINHA" publicado em Portugal pela Livraria Clássica em 1909 sem receber direitos autorais. Tirou, fazendo empréstimos, novas edições. Não tinha editor. O primeiro e único, foi Monteiro Lobato que, como vimos, pagou os direitos autorais de "VIDA E MORTE DE M. J. GONZAGA DE SÁ".
Foi tudo o que conseguiu. Agora faz a riqueza de qualquer editor. (p. 225).
Bacia das Almas (esg.)
Neuroses Coletivas do Século XX (esg.)
Terra dos Papagaios (esg.)
Sobre os Romances de Machado de Assis (esg.)
Diálogos com Machado de Assis (esg.)
Maldito de Todos os Santos (peça teatral, esg.)
O Processo da Violência - Caso Herzog (peça teatral representada)
A Caixa de Fósforo (peca teatral)
Esquerda Festiva (peça teatral representada)
A Paisagem Urbana em Machado de Assis (Prêmio da Academia Brasileira de Letras)
Agora, graças a Herberto Sales e Ênio Silveira, esgotada a primeira edição (por sinal graficamente descuidada não pelo autor, mas pelas deficiências materiais e revisão falha), temos a segunda em plena comemoração do centenário de nascimento do escritor redescoberto, "maldito" em vida, glorificado, afinal, bem-sucedido literariamente após longa espera. [...]. (Ibid., p. 15).