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quinta-feira, 2 de abril de 2020

O silêncio dos amantes – revisitado

Hospital New Amsterdam – T1:E3

Para melhor captura das cenas abaixo, 
ler, de Lya Luft, O silêncio dos amantes.












quarta-feira, 10 de julho de 2019

Da inteligência da literatura

ALBUM LITTERARIO, em seu editorial de 15 de agosto de 1860:
A inteligência não para; qual águia, que só procura as alturas e vencer o espaço, ela, a par do tempo, que deixa cair cada dia um grão de areia da ampulheta da eternidade, ganha um passo na perfeição, novas descobertas nos traz e na comparação do passado substitui com a experiência o que na prática se tornou inferior. Bastará lançar os olhos para época não muito remota para surpreender-nos a revolução universal operada por ela.
Pode-se quase dizer que a inteligência e a perseverança do homem, de mãos dadas, poderiam resolver a própria natureza.
Astro nimiamente luminoso como ela é, a despeito mesmo das névoas do indiferentismo, luz cada vez com mais intensidade e vai deslumbrar a vista dos que no antro da ignorância nunca a viram, nem a conhecem; e se, qual flor, uma ou outra vez se elanguesce ao descambar de um dia, é para na aurora do outro mais viçosa e brilhante reverdecer, orvalhada pela fé do progresso.
E a literatura, cadeia que liga as tradições dos séculos, monumento que jamais a mão do tempo poderá abalar, é a filha mais mimosa da inteligência.
[...].
ALBUM litterario [editorial]. Album Litterario: periodico instructivo e recreativo, Rio de Janeiro, ano 1, n. 1, p. 1, 15 ago. 1860. Disponível em: http://memoria.bn.br/DOCREADER/DocReader.aspx?bib=221805&PagFis=1. Acesso em: 10 jul. 2019.

segunda-feira, 8 de julho de 2019

Lição familiar

A vida é mais que um jogo de paciência, de gato e rato, de cabo de guerra. É preciso refletir detalhadamente sobre os afetos e desafetos daqueles que nos são mais próximos. Sempre com a coragem de olhar na cara do próprio medo e desvestir a falsa coragem, que apenas agride. Só assim para mostrá-la, não nua, mas vazia. Isso ajuda bastante a nos aproximarmos da verdade que nos deixa enxergar com mais clareza e com mais calma tudo o que o tempo nos ensinou, matou e salvou.
Necessitamos dessa confissão para que a vida vivida fique mais leve e a morte futura não nos assuste tanto.
KAFKA, Franz. Carta ao pai prezado e temido [fragmento]. In: BENTACUR, Paulo (Org.). Três pais. São Paulo: Atual Editora, 2014. p. 47.

sexta-feira, 21 de junho de 2019

Ariana Suassuna, em sua Aula Espetáculo de 30/04/2011

Dentre os temas discutidos por Ariana Suassuna em sua Aula Espetáculo de 30/04/2011, proferida no teatro do SESC Vila Mariana (São Paulo, SP), destaco:
  • O papel do professor e, por extensão de sentido, do escritor, no favorecimento, entre aqueles que constituem o seu público-alvo, da compreensão do ato de ver em dois movimentos, claramente distintos: o de avistar e o de enxergar. Desde é claro que cada um desses profissionais explore o caráter didático que as suas ações naturalmente admitem e/ou suportam, quando relacionadas à arte/literatura (popular e erudita), sob o compromisso de, por exemplo, auxiliar o brasileiro na valorização de sua riqueza cultural;
  • A lógica da poesia (superior à própria lógica) — não atinente à comunicação de um fato apenas, tampouco à de um fato irrelevante. Em sua predileção, inclusive, Suassuna registra a “poesia meio obscura, sonora e musical”, tendência expressa nesses versos de Federico García Lorca, no poema “Romance sonâmbulo”: “Verde que te quero verde. / Verde vento. Verdes ramos. / O barco sobre o mar / e o cavalo na montanha.”. Segundo o nosso dramaturgo, “Eu não sei o que quer dizer isso. Mas que é bonito, é”;
  • A similaridade entre Camões, sua lírica, e os poetas populares brasileiros, ou cantadores, suas cantigas — quanto à composição poética baseada na exploração de um mote (motivo) em glosa (variações). Para Suassuna, “o espanto poder do improviso dos (en) cantadores [nordestinos]” — dentre os quais, Dimas Batista, Heleno Belo e Antônio Marinho — não prescindi de “beleza lírica”, também expressa na utilização arguta de sextilhas e décimas (técnica / arte de versificação). A décima, por sua vez, é reconhecida pelo poeta em um trecho da peça teatral “A vida é sonho”, escrita pelo espanhol Calderón de la Barca no século XVII — especificamente, em um fragmento da fala do personagem Segismundo, reproduzida abaixo conforme tradução de Manuel Gusmão para a uma editora lisboeta em 1973 e, no Brasil, de Renata Pallottini (para a editora Scritta em 1992 e para a editora Hedra em 2007 e 2010):

CENA XIX
SEGISMUNDO
SEGISMUNDO
Verdade é, pois reprimamos
esta fera condição,
esta fúria e ambição,
para um dia que sonhemos.
Aprendamos, pois vivemos
em mundo tão singular,
que o viver é só sonhar;
e ensina-me a vida mãe
que na sua vida o homem
sonha o que é ´te acordar.
     Sonha o rei que é rei, e segue
com este engano mandando,
ordenando e governando;
e esse aplauso, que recebe
fingido, no vento escreve,
e em cinzas a dura morte
o torna, ó triste sorte!
Mas há quem queira reinar
Vendo que há-de despertar
no triste sonho da morte?
     Sonha o rico sua riqueza,
que mais zelos lhe oferece;
sonha o pobre que padece
sua miséria e pobreza;
sonha o que adquire grandeza,
sonha o que luta e pretende,
sonha o que agrava e ofende,
e no mundo, em conclusão,
todos sonham o que são,
e porém ninguém o entende.
     Eu sonho que estou aqui
destes ferros carregado,
e sonhei que noutro estado
mais lisonjeiro me vi.
Que é a vida? Um frenesi.
Que é a vida? Uma ilusão,
uma sombra, uma ficção,
e o maior bem pouco é;
pois que a vida sonho é,
e os sonhos, sonhos são.
DE LA BARCA, Pedro Calderón. A vida é sonho. Tradução: Manuel Gusmão. Lisboa: Editorial Estampa; Empresa de Publicidade Seara Nova, 1973 [1635]. p. 130-131.

SEGISMUNDO (só) — É certo; então reprimamos
esta fera condição,
esta fúria, esta ambição,
pois pode ser que sonhemos;
e o faremos, pois estamos
em mundo tão singular
que o viver só é sonhar
e a vida ao fim nos imponha
que o homem que vive, sonha
o que é, até despertar.
Sonha o rei que é rei, e segue
com esse engano mandando,
resolvendo e governando.
E os aplausos que recebe,
vazios, no vento escreve;
e em cinzas a sua sorte
a morte talha de um corte.
E há quem queira reinar
vendo que há de despertar
no negro sonho da morte?
Sonha o rico sua riqueza
que trabalhos lhe oferece;
sonha o pobre que padece
sua miséria e pobreza;
sonha o que o triunfo preza,
sonha o que luta e pretende,
sonha o que agrava e ofende
e, no mundo, em conclusão,
todos sonham o que são,
no entanto ninguém entende.
Eu sonho que estou aqui
de correntes carregado
e sonhei que noutro estado
mais lisongeiro [sic] me vi.
Que é a vida? Um frenesi.
Que é a vida? Uma ilusão,
uma sombra, uma ficção;
o maior bem é tristonho,
porque toda a vida é sonho,
e os sonhos, sonhos são.
DE LA BARCA, Pedro Calderón. A vida é sonho. Tradução: Renata Pallottini. São Paulo: Hedra, 2010 [2007]. p. 74-75.

  • O cômico, o risível, como resultado de uma mecanização — a que o ser humano se permite — do/no próprio espírito/linguagem, em substituição à inventividade, graciosidade, da vida; na perspectiva de Bergson (— Henri), filósofo francês do século XX. No Brasil, por exemplo, a editora Edipro tem publicada, desde 2018 e sob tradução de Maria Adriana Camargo Cappello, de Bergson, a obra “O riso: ensaio sobre o significado do cômico”, e a apresenta por meio desta sinopse:
“Sinopse: O Riso reúne três artigos escritos pelo filósofo francês Henri Bergson em 1899 para a Revue de Paris, reunidos em livro no ano seguinte. Nestes três textos, o autor busca elucidar o significado do cômico e o que está por trás do riso como fenômeno social. As formas desajeitadas, os desvios de padrão e o feio são alguns dos motivadores do riso. Decorre daí a hipótese de Bergson de que o cômico depende de certa insensibilidade humana, uma exigência de que o outro se encaixe em padrões sociais. O pensamento original e incisivo de Bergson, neste e em outros ensaios, o tornou um dos mais influentes filósofos modernos, com ideias que impactam a intelectualidade até hoje.”
  • Sua casa (— a casa de Ariano Suassuna) enquanto expressão do mundo (sua riqueza cultural) e, por isso, espaço de resistência à arte massificada / falsificada; além da própria estrada que decidira percorrer a serviço do Governo do Estado de Pernambuco, na difusão da cultura nacional, especialmente com a realização do projeto circense Onça Malhada;
  • O favorecimento da ampliação do repertório artístico-cultural do brasileiro como estratégia para o incremento necessário de suas predileções estéticas:
 “[...] meu amigo Capiba [1904-1997], um grande compositor, [...] ficava indignado quando diziam que cachorro gosta de osso. Ele dizia: ‘Só dão osso ao cachorro, [...] ele come com avidez, aí dizem [que] ele é louco por osso; ele é louco por comida, como todo mundo [...]. Bote um filé e bote um osso pra ver qual é o que o cachorro escolhe’. Acontece que não estão dando oportunidade ao povo brasileiro, principalmente aos jovens, de entrar em contato com o filé. Só dão osso a eles. 
  • Elogio da unidade do povo brasileiro na diversidade, além de sua alegria como caractere distintivo em relação a outras nacionalidades. Suassuna ainda fala da brasilidade das mentiras sociais e da (auto) zombaria. Os causos contados a partir de 1h10min40 valem muito a pena, especialmente o de seu amigo que optou por morar na Suíça e desistiu logo após (1h13min / 1h16min59).

domingo, 16 de junho de 2019

Por que amar, em duas lições

Antônio Maria me ganhou com uma de suas crônicas em que o amor, não sendo dimensionado, assumia para mim o seu espaço na vida do homem:
No mais, tudo é menor. O socialismo, a astrofísica, a especulação imobiliária, a ioga [...] ... tudo é menor. O homem só tem duas missões importantes: amar e escrever à máquina. Escrever com dois dedos e amar com a vida inteira.
MARIA, Antônio. Café com leite [fragmento]. In: ______. Crônicas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. p. 59-60.
Já faz alguns anos — eu sei. De lá pra cá, um sol já nasceu e se pôs. E esta aqui me parece ser a sua segunda lição sobre por que acordar, abrir a porta e sair: 
[...]. Amor, a gente espera, como o pescador espera o seu peixe, ou o devoto espera o seu milagre: em silêncio, sem se impacientar com a demora. E, amor, a gente não conta pelo jornal a não ser quando o sentimento trai a frase, juntando palavras que deveriam estar sempre separadas.
MARIA, Antônio. A noite é uma lembrança [fragmento]. In: ______. Crônicas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. p. 31-33.

domingo, 2 de junho de 2019

"Para que serve a filosofia? Algumas respostas antigas" (ZINGANO, 2019)

Marco Antonio de Avila Zingano,
Professor de filosofia antiga na USP,
em 30/05/2019, no blog Ciência & Matemática

Esta insistente questão – mas, afinal, para que serve a filosofia? –, que tanto fazemos hoje, foi também insistentemente feita na Antiguidade e há boas razões para se crer que continuará a ser feita com a mesma insistência no futuro. Em um diálogo memorável, o próprio Platão a formulou na voz dos que são refratários e mesmo hostis à filosofia. Trata-se do diálogo intitulado Górgias, estruturado em três partes em função das personagens com as quais Sócrates dialoga: Górgias primeiro, o famoso sofista grego; Polo, em sequência; por fim Cálicles, com quem Sócrates tem uma difícil conversa em torno de temas como justiça, poder e hedonismo. (O Górgias foi recentemente traduzido de modo admirável para o português por Daniel Lopes.) É nesta terceira parte que Platão faz com que Cálicles qualifique a filosofia como uma ocupação para adolescentes, cuja inutilidade para a vida real os homens maduros rapidamente descobrem e por isso mesmo a abandonam definitivamente em proveito de outros ofícios, os que trazem benefícios a si próprios e à comunidade.

Platão relata assim, na voz de Cálicles, o bordão que haverá de ser repetido ao longo de séculos e séculos pelos mais diversos adversários da filosofia: ela não serve para nada, é inútil, mal se presta a jogos pueris, que as pessoas maduras hão de abandonar sem pestanejar. A resposta de Platão a esta atitude hostil é complexa; uma parte importante de sua resposta consiste no contraste que estabelece entre supostos sábios, mas de fato embusteiros, os que ele chama de sofistas, e o verdadeiro filósofo, aquele que se dedica com todas as suas forças à descoberta da verdade – não só de parte da verdade, a que pode lhe aprazer, mas de toda a verdade, a verdade inteira, ainda que lhe seja desfavorável. Deixemos de lado a questão de saber se Platão não está ele próprio enaltecendo a verdade que lhe apraz e sendo, do ponto de vista histórico, injusto com os sofistas; de certo modo, a insistência com que se refere a eles, o fato mesmo de nos ter reportado com clareza muitas de suas doutrinas revela que sua relação com os sofistas é igualmente complexa, marcada por rejeições e apropriações. O que nos interessa ressaltar aqui é que, por meio desta estratégia (entre outras), Platão quer dar à filosofia a cidadania que tantos lhe recusam. Suas razões não são somente teóricas, mas também pessoais: Atenas condenou à morte o filósofo Sócrates, o mais sábio e mais justo dentre os homens, segundo Platão. A condenação de Sócrates emerge aqui e ali, em seus diálogos, como a nódoa máxima, a mácula por excelência, aquilo que é estranho a todo pensamento. Neste sentido, convém lembrar que, nesta terceira parte do Górgias, quando Sócrates enfrenta Cálicles, Platão aproveita a ocasião para refletir sobre o que acontece quando um interlocutor não se deixa convencer, quando ele não demonstra interesse em seguir o fio das razões. É o que faz Cálicles, que se cansa do que considera ser a inútil verborragia da parte de Sócrates, que sempre volta a fazer questões e nunca se dá por satisfeito com as respostas. Cálicles simplesmente dá as costas a Sócrates e abandona o diálogo: não está mais interessado no que Sócrates diz e sobre o que argumenta. Aqui Platão toca no ponto frágil do diálogo grego antigo. É crença grega que, se o interlocutor prestar atenção ao que é dito, ele terminará por se convencer, por fazer suas as boas razões que lhe são apresentadas. Ocorre, contudo, que nada garante que o interlocutor tenha a disposição de escutar; se o interlocutor não quiser escutar, o filósofo fica indefeso, desprovido dos seus meios de lutar. A filosofia tem seus próprios defeitos, seus demônios internos, suas idas e voltas, mas seus pés de barro estão no fato que supõe que o outro queira escutar e seguir suas razões – mas por que diabos Cálicles procederia deste modo, Cálicles que quer antes usufruir de sua posição social avantajada, satisfazer seu hedonismo e dar vazão à sua busca de poder? Platão o reconhece claramente: para quem nada quer escutar, razão alguma há de o dissuadir.

Aristóteles também se preocupou com a atitude hostil da Cidade com a filosofia. Em um livro de juventude, hoje perdido, mas que pode ser recuperado em parte pelas citações que dele fez Jâmblico, cerca de seis séculos mais tarde, em um livro de mesmo título (Protréptico), Aristóteles argumentou assim: para saber se devemos filosofar ou não, devemos filosofar; portanto, devemos filosofar. Há certamente uma pitada de ironia aqui: ainda que a conclusão seja que não devemos filosofar, devemos filosofar para chegar a tal conclusão... Mais tarde, Aristóteles fará sua exortação à filosofia em outros termos. Na frase com que inicia seu célebre texto que ficou conhecido como Metafísica, Aristóteles escreve que “todos os homens desejam por natureza conhecer”; ora, a figura consumada do conhecedor é justamente o sábio que denominamos de filósofo. A filosofia inscreve-se assim na Cidade porque o homem que a habita tem um pendor natural pelo conhecimento e a forma por excelência de conhecimento é a filosofia. Pode ser que Aristóteles tenha razão em seu argumento: talvez os homens tenham todos um pendor natural pelo conhecimento e, dentre os diferentes tipos de conhecimento, a forma mais elevada seja a filosofia. Contudo, Aristóteles parece supor aquilo que Platão justamente pusera em dúvida: será mesmo que todos os homens desejam conhecer ou bem há alguns – eventualmente muitos – que não estão interessados em desenvolver o conhecimento em suas exigências argumentativas, assim que se sentem satisfeitos com suas crenças e suas situações de vida? Por que buscariam conhecimento, sob o risco de alterar ou mesmo perder o estado de que gozam atualmente? Menos ainda o buscariam na sua forma mais exigente e robusta, a filosofia!

A filosofia conheceu diferentes formas históricas. Do mundo grego à época contemporânea, a filosofia ocupou diferentes papeis, adotou diversas linguagens, realizou variadas funções; ela não está isenta de historicidade, muito pelo contrário. Porém, em todos os seus avatares – e os há, em boa monta –, a filosofia está sempre envolta com a tarefa não somente de conhecer, mas de conhecer o que é o conhecimento; ela está sempre às voltas com a questão não somente de falar diretamente sobre o mundo, mas de discorrer sobre como falamos sobre o mundo. Ela está intrinsecamente ligada a um recuo, a tomar distância das coisas e se perguntar sobre que relação têm as pessoas com as coisas quando lidam diretamente com elas. Sua aparência de inutilidade lhe cola à pele inevitavelmente, pois se afasta deliberadamente de um contato imediato com o mundo para justamente poder contemplar, tanto quanto possível, mesmo que não possa saltar sobre a sua própria sombra, a figura de um Mundo que a nós se oferece de imediato e no qual estamos de pronto inseridos.

Pode passar como uma curiosidade, mas não pode ser puramente acidental que o mundo grego nos legou uma das mais potentes defesas do ato de filosofar. Diógenes Laércio, de quem pouco sabemos, mas que escreveu um livro repleto de informações sobre os primeiros filósofos, as Vitae Philosophorum, nos relata que Pitágoras, na época fundadora da filosofia, já longínqua para os próprios gregos, comparava a atitude do filósofo ao que ocorre em um festival, em um jogo olímpico ou, se você quiser, em uma final de campeonato: algumas pessoas estão lá para competir; outras, para assistir ao evento; outras ainda, para fazer negócios e vender os mais diferentes produtos. Todas estão, de um modo ou outro, atarefadas no mundo, imediatamente inseridas nas formas de vida. O filósofo é quem assiste a tudo isso, sem envolver-se diretamente com nenhuma destas ocupações. Há ainda lugar, nos dias de hoje, a esta posição fora de todo lugar? É o que pretende fazer o filósofo, a despeito das dificuldades que cercam esta sua atitude intelectual, na medida em que se quer situar em ruptura com aquilo mesmo em que está inserido. Ademais, continua ainda hoje a sofrer a hostilidade dos que, imersos nas tarefas da vida, reproduzem o velho embate entre Reflexão e Cidade. Porém, valeria a pena viver uma vida sem refletir sobre ela do modo mais radical? A resposta de Platão é muito clara, quando faz Sócrates dizer, na Apologia, que ho anexetastos bios ou biôtos anthrôpôi, a vida que não passa por um exame – no sentido radical de pôr à prova - não vale a pena para um homem.

Referência:

ZINGANO, Marco Antonio de Avila. Para que serve a filosofia? Algumas respostas antigas. Ciência & Matemática, Rio de Janeiro, 30 maio 2019. Disponível em: https://glo.bo/2XmFOe4. Acesso em: 02 jun. 2019.

quarta-feira, 10 de abril de 2019

MEDEIROS, Marta. A graça da coisa
Porto Alegre, RS: L&PM, 2013. E-book.

?!

Cada um tem um cânion pelo qual se sente atraído. Não raro, é o mesmo cânion do qual é preciso escapar.
(Em Amputações
31 de julho de 2011)

?!

[...]. Era para ser divertido para sempre, empolgante para sempre, inspirador para sempre, mas a maioria acredita que a longevidade dos amores é atribuição do destino [...].
[...]. Não basta dar corda e depois cruzar os braços. [...].
Mas quem é que tem paciência para o zelo, de onde tirar disposição para renovar o suspiro mil vezes reprisado? [...].
(Em A arte da manutenção
17 de agosto de 2011)

?!

[...]. Hoje não só engolimos qualquer factoide, [...] como também a produzimos. A invencionice suplantou a arte.
(Em Interativos demais
28 de agosto de 2011)

?!

[...]. Amnésia. É o que explica tanta neurose e tanta infelicidade. A gente procura esquecer para poder ir adiante, mas que espécie de caminho trilhamos quando não enfrentamos a verdade?
Esquecer é uma estratégia de sobrevivência. Somos todos uns esquecidos crônicos. [...].
[...].
E esquecemos, principalmente, de quem somos. Dos nossos ideais, das nossas vontades, dos nossos sonhos, das nossas crenças, tudo em prol de uma adaptação ao meio, [...] de uma covardia que gruda na alma e congela os movimentos. Esquecer de nós mesmos é assinar um contrato com a resignação.
[...] a amnésia é uma opção, não é obrigatória.
(Em Tempos de amnésia coletiva obrigatória
04 de setembro de 2011).

?!

[...]. Não somos apenas a soma das nossas escolhas, mas também das nossas renúncias. Crescer é tomar decisões e depois conviver em paz com a dúvida. [...].
(Em Medo de errar,
25 de setembro de 2011)

?!

A solidão, como contingência da vida, não é trágica, podemos dar conta de nós mesmos. Mas, ainda que eu pareça obsoleta, ainda acredito que se sentir amada é o que nos sustenta de fato.
(Em Sustento feminino,
28 de outubro de 2011)

?!

[...]. De quem é o livro? A resposta não é a mesma de quando se pergunta quem escreveu o livro. [...]. O livro é de quem tem acesso às suas páginas e através delas consegue imaginar os personagens, os cenários, a voz e o jeito com que se movimentam. São do leitor as sensações provocadas, [...] tudo o que é transmitido pelo autor, mas que reflete em quem lê de uma forma muito pessoal. [...]. É do leitor o livro.
[...].
[...]. Assim são as histórias escritas também pela vida, interpretadas a seu modo por cada um.
(Em O dono do livro,
06 de novembro de 2011)

?!

Alguém. Uma entidade a quem confiamos a solução de todos os nossos problemas. Alguém tem que dar um jeito no país. [...]. Mas como ele fará isso por você, sendo alguém tão ocupado?
(Em Alguém quem?,
20 de novembro de 2011)

?!

[...] Kafka e Tchékhov também são autoajuda: dos eruditos aos passatempos, todo livro escrito com honestidade ajuda. [...].
[...].
[...]. Hermetismo nem sempre é sinônimo de inteligência, profundidade não é privilégio dos deprimidos e mesmo histórias bem-escritas podem naufragar se forem pretensiosas.
[...].
Existe autoajuda para todos os gostos. Tendo ou não esse propósito, nenhum livro merece ser diminuído por ter sido útil.
(Em Autoajuda,
30 de novembro de 2011)

?!

Vida é o que existe entre o nascimento e a morte. O que acontece no meio é o que importa.

No meio, a gente descobre que sexo sem amor também vale a pena, mas é ginástica, não tem transcendência nenhuma. Que tudo o que faz você voltar para casa de mãos abanando (sem uma emoção, um conhecimento, uma surpresa, uma paz, uma ideia) foi perda de tempo. Que a primeira metade da vida é muito boa, mas da metade para o fim pode ser ainda melhor, se a gente aprendeu alguma coisa com os tropeços lá do início. Que o pensamento é uma aventura sem igual. Que é preciso abrir a nossa caixa-preta de vez em quando, apesar do medo do que vamos encontrar lá dentro. Que maduro é aquele que mata no peito as vertigens e os espantos.

No meio, a gente descobre que sofremos mais com as coisas que imaginamos que estejam acontecendo do que com as que acontecem de fato. Que amar é lapidação, e não destruição. Que certos riscos compensam – o difícil é saber previamente quais. Que subir na vida é algo para se fazer sem pressa. Que é preciso dar uma colher de chá para o acaso. Que tudo que é muito rápido pode ser bem frustrante. Que Veneza, Mykonos, Bali e Patagônia são lugares excitantes, mas que incrível mesmo é se sentir feliz dentro da própria casa. Que a vontade é quase sempre mais forte que a razão. Quase? Ora, é sempre mais forte.

No meio, a gente descobre que reconhecer um problema é o primeiro passo para resolvê-lo. Que é muito narcisista ficar se consumindo consigo próprio. Que todas as escolhas geram dúvida – todas. Que depois de lutar pelo direito de ser diferente, chega a bendita hora de se permitir a indiferença. Que adultos se divertem mais do que os adolescentes. Que uma perda, qualquer perda, é um aperitivo da morte – mas não é a morte, que essa só acontece no fim, e ainda estamos falando do meio.

No meio, a gente descobre que precisa guardar a senha não apenas do cartão do banco, mas a senha que nos revela a nós mesmos. Que passar pela vida à toa é um desperdício imperdoável. Que as mesmas coisas que nos exibem também nos escondem (escrever, por exemplo). Que tocar na dor do outro exige delicadeza. Que ser feliz pode ser uma decisão, não apenas uma contingência. Que não é preciso se estressar tanto em busca do orgasmo, há outras coisas que também levam ao clímax: um poema, um gol, um show, um beijo.

No meio, a gente descobre que fazer a coisa certa é sempre um ato revolucionário. Que é mais produtivo agir do que reagir. Que a vida não oferece opção: ou você segue, ou você segue. Que a pior maneira de avaliar a si mesmo é se comparando com os demais. Que a verdadeira paz é aquela que nasce da verdade. E que harmonizar o que pensamos, sentimos e fazemos é um desafio que leva uma vida toda, esse meio todo.

(O que acontece no meio,
04 de dezembro de 2011)

?!

Elas. As dores silenciosas. As mais contundentes.
[...].
A maior sacanagem do mundo é não dar amor a quem não espera outra coisa. [...].
(Em Vidas secas,
07 de dezembro de 2011)

?!

[...]. De nada adianta levar o corpo para passear se a alma não sai de casa.
(Em A capacidade de se encantar,
22 de abril de 2011)

?!

Poesia. É ela quem sempre nos salva do ridículo e dá à vida uma transcendência cada vez mais necessária.
(Em Carisma e inocência,
06 de junho de 2012)

?!

[...] o amor requer um mínimo de consistência, senão o castelo vem abaixo.
(Em Construção,
10 de junho de 2012)

?!

[...]. Coragem, mesmo, é [...] enfrentar a própria solidão e descobrir o quanto ela fortalece o ser humano. 
(Em Coragem,
17 de junho de 2012)

?!

[...] de onde muito se espera – boates, festas, bares – é que não surge nada. O amor prefere se aproximar dos distraídos.
(Em De onde surgem os amores,
05 de agosto de 2012)

?!

Viajar é sair em busca dos nossos pedaços para integralizar o que costuma ficar incompleto no dia a dia.
[...]. É sempre assim. Há em nós uma persona oculta que só se revela quando a gente se põe em movimento [...] porque [...] viajar é uma jornada simultânea de ida e volta, nosso passado e nosso futuro marcando um encontro no asfalto. [...].
(Em O poder terapêutico da estrada,
08 de agosto de 2012)

?!

São nauseantes, porém decisivas e libertadoras essas perguntas que nos fazem os psicoterapeutas e também nossos melhores amigos, não nos permitindo rota de fuga. E aí? Quem é você de verdade?
(Em Não parecia eu,
19 de agosto de 2012)

?!

Depois de terem vivido, por anos, a proximidade mais [...] abençoada que pode haver entre duas pessoas apaixonadas, vocês agora estão proibidos ao toque. Não se amam mais, é o que ficou decretado. Logo, os códigos de aproximação mudaram. [...].
O corpo interditado. [...]. O definitivo sinal de que o fim não era uma ilusão.
(Em Corpo interditado,
26 de agosto de 2012)

?!

Identificar suas próprias felicidades e, mesmo nem tudo dando certo, gostar da vida que leva.
(Em Pequenas felicidades,
09 de setembro de 2012)

?!

Solitários somos todos, faz parte da nossa essência. Não é um defeito de fabricação ou prova de nossa inadequação ao mundo, ao contrário: muitas vezes, a solidão confirma nossa dignidade quando não se está a fim de negociar nossos desejos em troca de companhia temporária. E a propósito: quem disse que, sozinho, não se está igualmente comprometido?
[...].
Vergonha? Senti poucas vezes na vida, quando não me reconheci dentro da própria pele. Mas estando em mim, sob qualquer circunstância, jamais estarei só.
(Em Nós,
30 de setembro de 2012)

?!

Analisar-se é aprender a narrar a si mesmo. [...].
(Em Narrar-se,
07 de outubro de 2012)

?!

[...]. O amor que nos serve e que nos faz evoluir é aquele que traz à tona a nossa melhor versão.
(Em A melhor versão de nós mesmos,
03 de novembro de 2012)

?!

Sol combina [...] com sorriso luminoso [...]. Quando ele se põe, me ponho junto, e nem assim apago: no escuro, me dedico aos vaga-lumes.
(Em Os solares,
02 de dezembro de 2012)

?!

[...]. Geralmente chegamos ao final de dezembro focados apenas no recomeço, na renovação, [...] sem nos darmos conta de que, para que nossas resoluções sejam cumpridas mais adiante, [...] É preciso que haja, sim, o fim do mundo. O fim de um mundo seu, particular.
Qual mundo que você precisa exterminar da sua vida?
(Em O fim e o começo,
30 de dezembro de 2012)

?!

Numa época em que todos andam viciados em existir publicamente, [...] o que ela teria para contar – e o que todos teriam para contar, se o mundo estivesse a fim de ouvir – é que ter uma vida interessante depende apenas do olhar amoroso que lançamos sobre nossa própria história.
(Em Matéria-prima de biografias,
27 de janeiro de 2013)

?!

[...] a música não é uma forma de ocupar o silêncio, simplesmente. [...]. Ela vai buscar você onde você se esconde. E compartilhar isso com quem amamos é roçar no sublime.
[...].
Coisa mais triste quando, ao recordar um amor, a gente tenta lembrar: qual era a nossa música? E não havia.
(Em Afinados,
24 de fevereiro de 2013)

?!

[...]. Ficar sozinho não é estar abandonado, ao contrário: é encontro dos mais sagrados. Invisível para os outros, extremamente visível para si mesmo.
É divertido ser invisível e todos nós tempos esse poder [...]. A visibilidade é que é rara: olhar profundamente para dentro e enxergar o que ninguém mais consegue ver.
(Em Visíveis para si mesmo,
24 de março de 2013)

?!

[...]. Deixar de esperar é uma libertação.
(Em Apegos,
27 de março de 2013)

?!

[...]. Escrever exorciza, invoca energia. [...].
[...].
[...]. Ler é o diálogo silencioso com nossos fantasmas. [...].
(Em Dialogando com a dor,
31 de março de 2013)

?!

[...] é o tempo que nos esculpe, e ele não tem pressa alguma em terminar o serviço, até porque sabe que todo ser humano é uma obra inacabada. [...].
[...].
[...]. Amadurecer é passar por esse refinamento [...]. O que o tempo garimpa em nós? O verdadeiro sentido da vida.
[...]. Essa é a obra-prima de cada um, extraída em meio ao entulho que nos cerca.
(Em O Michelangelo de cada um,
16 de junho de 2013)

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

De Carlos Drummond de Andrade, "Escrevo estas linhas"

Escrevo estas linhas em agosto de 1943, depois da batalha de Stalingrado e da queda de Mussolini. Meu livro vai para o linotipista. Não quis que se compusesse sem acrescentar-lhe algumas palavras, menos de explicação ou desculpa do que de exame da conduta literária diante da vida.
É um livro de prosa, assinado por quem preferiu quase sempre exprimir-se em poesia. Esse suposto poeta não desdenha a prosa, antes a respeita a ponto de furtar-se a cultivá-la. Seria inútil repisar o confronto das duas formas de expressão, para atribuir superioridade a uma delas. Mas a verdade é que se a poesia é a linguagem de certos instantes, e sem dúvida os mais densos e importantes da existência, a prosa é a linguagem de todos os instantes, e há uma necessidade humana de que não somente se faça boa prosa como também de que nela se incorpore o tempo, e com isto se salve esse último.
Não há muitos prosadores, entre nós, que tenham consciência do tempo, e saibam transformá-lo em matéria literária. Frequentemente a literatura se faz à margem do tempo ou contra ele - seja por incapacidade de apreensão, covardia ou cálculo. Daí o vazio e o desconforto do texto literário, como a insatisfação que ele desperta em cada vez mais descrentes leitores. E pouco importa que haja muitos leitores, uma vez que eles não amem o autor nem se confessem devedores de alguma coisa tirada ao livro. 
Este livro começa em 1932, quando Hitler era candidato (derrotado) a presidente da República e termina em 1943, com o mundo submetido a um processo de transformação pelo fogo. Os que tiveram a sorte de viver em tal período serão bem mesquinhos se se embriagarem com a vaidade do espectador de um drama exemplar ou com a do passageiro no transatlântico de luxo. Eles próprios terão de confessar-se transformados, mais sérios e esclarecidos, mais determinados quanto aos problemas fundamentais do indivíduo e da coletividade. Não lhes bastará fazer uso contínuo da palavra cultura ou da palavra justiça, mas antes devem contribuir com tudo o que tenham de bom para que essas palavras assumam o seu conteúdo verdadeiro ou, então, sejam varridas do dicionário. 
Declaro honestamente que falta a meu livro isso que para mim, neste domingo de agosto, é o mais precioso de tudo: falta-lhe o tempo, com suas definições. As páginas foram-se escrevendo mais para contar ou consolar o indivíduo das Minas Gerais, e dizem bem pouco das relações desse indivíduo com o formidável período histórico em que lhe é dado viver. Mesmo assim, não as desprezo. Dou-as como um depoimento negativo, indicando aos mais novos que devem formular depoimentos positivos, autênticos e até mesmo impiedosos, se for o caso. 
Já não tenho medo de escravizar-me à vida, e acho que uma sutileza que não resista à prova da convivência mais larga é apenas um vício. E digo aos rapazes: Rapazes, se querem que a literatura tenha algum préstimo no mundo de amanhã (o mundo melhor que, como todas as utopias, avança inexoravelmente), reformem o conceito de literatura. Já não é possível viver no clima das obras-primas fulgurantes e... podres, e legar ao futuro apenas esse saldo dos séculos. Reformem a própria capacidade de admirar e de imitar, inventem olhos novos ou novas maneiras de olhar, para merecerem o espetáculo novo de que estão participando. Se lhes disserem que nada disso é novo e que já houve guerras, e depois armistícios e depois outras guerras etc., etc., não levem a sério essa falsa experiência histórica, que impede qualquer melhoria da história. Se tudo foi dito, então o remédio é o suicídio sob qualquer de suas formas, inclusive a do beato e precário contentamento de existir na época do rádio e das roupas de vidro. Prefiro acreditar que nada foi feito nem escrito nem descoberto. Que estamos começando a nascer, e que os gênios nacionais e estrangeiros não foram ainda inventados. Porque antes negá-los todos do que viver esmagado por eles, e como pesam!, de todo o peso da aceitação e da facilidade. 
Não estou pois dentro deste livro de retalhos, e sim fora dele. Mas sinto que foi um caminho pelo qual cheguei a uma excelente cidade, de ruas largas e populosas. Ele abriu minhas gavetas secretas. Libertou-me de alguns fantasmas particulares. Agiu. Hoje não escreveria quase nada do que aí se contém, mas por isso mesmo a sensação de desprendimento e liberdade é maior. Vamos andando.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Escrevo estas linhas. In: ______. Confissões de Minas. São Paulo: Cosac Naify, 2011. p. 11-14. 

sábado, 29 de setembro de 2018

Que é / deveria ser a vida vivida a dois

"Drama o comedia en uno o varios cuadros" (na obra "Libro sin tapas"), de Felisberto Hernández, é uma armadilha pronta. Nesta peceta, Juan, um dos personagens, corporifica o perigo do "libro abierto y libre" que é/deveria ser a vida vivida a dois, especialmente no trecho abaixo:
Se lo contaré y me creerá. Lo que más nos encanta de las cosas, es lo que ignoramos de ellas conociendo algo. Igual que las personas: lo que más nos ilusiona de ellas es lo que nos hacen sugerir. El colorido espiritual que nos dejan, es a base de un poco que nos dicen y otro poco que no nos dicens. Ese misterio que creamos adentro de ellas lo apreciamos mucho porque lo creamos nosotros. Hay personas que lo dicen todo y no nos diejan crear nuestro misterio. Una excepción son las personas muy simples; nos hacen pensar que eso tan simple no son ellas y pasamos toda la vida pensando qué habrá en su interior. Yo soy de las personas que lo dicen todo y no dejan crear el misterio. Yo quiero ilusionar a Juana y por eso quiero hacer surgir el misterio.
HERNÁNDEZ, Felisberto. (1929). Libro sin tapas: drama o comedia en uno o varios cuadros [fragmento]. In: ______. Felisberto Hernández: obras completas. Bogotá: Ojo Peregrino, 2018. E-book.

sábado, 14 de outubro de 2017

De José Régio, "Cântico negro"

“Vem por aqui” – dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: “vem por aqui”!
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
– Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha Mãe.

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
Porque me repetis: “vem por aqui”?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas, e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha Loucura!
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: “vem por aqui”!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
– Sei que não vou por aí!

Referência:

RÉGIO, José. Cântico negro. In: ______. Poesia. Lisboa: Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 2001. v. 1. p. 81-82. 

sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Que espetáculo, Ariano Suassuna! Que espetáculo!


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Modalidade: Aula / Espetáculo / Palestra
Duração: 2h10min
Data: 11 de julho de 2013
Local: Camocim de São Félix - PE
Ocasião: Tributo ao músico / compositor Capiba

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Modalidade: Aula / Espetáculo / Palestra
Duração: 1h17min
Data: 10 de maio de 2013
Local: Centro de Convenções Divaldo Franco,
Vitória da Conquista - BA
Ocasião: Abertura do Festival da Juventude de Vitória da Conquista

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Modalidade: Aula / Espetáculo / Palestra
Duração: 1h03min
Data: 20 de março de 2013
Local: Centro de Eventos Brasil 21,
Brasília - DF
Ocasião: 1ª Conferência Nacional de Desenvolvimento Regional

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Modalidade: Aula / Espetáculo / Palestra
Duração: 1h04min
Data: 18 de abril de 2012
Local: Auditório Ministro Mozart Victor Russomano, 
Tribunal Superior do Trabalho, Brasília - DF
Ocasião: Inauguração do referido auditório

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Modalidade: Aula / Espetáculo / Palestra
Duração: 1h44min
Data: 29 de setembro de 2011
Local: Milenium Centro de Convenções, 
São Paulo - SP
Ocasião: Homenagem ao Dia do Professor,
organizada pelo SINPRO-SP

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Modalidade: Aula / Espetáculo / Palestra
Duração: 50min
Data: 13 de setembro de 2011
Local: Auditório do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA),
Brasília - DF
Ocasião: Comemoração do 47º aniversário do IPEA

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Modalidade: Aula / Espetáculo / Palestra
Duração: 1h26min
Data: 30 de abril de 2011
Local: SESC Vila Mariana, 
São Paulo - SP
Ocasião: Não informada

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Modalidade: Aula / Espetáculo / Palestra
Duração: 1h25min
Data: 04 de junho de 2008
Local: Tribunal de Contas da União,
Brasília - DF
Ocasião: Não informada

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Modalidade: Aula / Espetáculo / Palestra
Duração: 1h35min
Data: 07 de maio de 2007
Local: Palácio do Itamaraty, Rio de Janeiro - RJ
Ocasião: Não informada

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Modalidade: Entrevista
Duração: 1h25min
Data: 06 de maio de 2002
Local: TV
Ocasião: Programa Roda Viva

terça-feira, 25 de julho de 2017

Um convite para conhecer José Pacheco

É preciso conhecer José Pacheco, para quem “as comparações e os rankings são disparates” ou, ainda, “os professores [...] deveriam procurar caminhos de alforria científica e a sua maioridade educacional, sem prescindir do que venha do estrangeiro” porque, na maioria das vezes, “novidades importadas não passam de inovações requentadas”. Na entrevista que concedeu à Notícias Magazine, em abril de 2017, muitas são as chamadas para reflexão sobre a profissão professor, ensinar e aprender, a mudança de que a escola necessita etc., dentre as quais destaco:
  1. “Apercebemo-nos que o maior aliado de um professor é o outro professor, mas, também, que o maior inimigo de um professor que ouse fazer diferente para melhor é o professor da escola do lado [...]”;
  2. “A aprendizagem é antropofágica. Não se aprende o que o outro diz, apreendemos o outro. Um professor não ensina aquilo que diz, transmite aquilo que é. Poderá acontecer aprendizagem em sala de aula, se forem criados vínculos e esses vínculos não são apenas afetivos, também são do domínio da emoção, da ética, da estética...”;
  3. “O sistema somos nós. Que rigor e que exigência existem num modelo educacional no qual alunos do século XXI são ‘ensinados’ por professores do século XX, que recorrem a práticas oriundas do século XIX?”;
  4. “[...] a profissão de professor não é um ato solitário, mas solidário. [...] o trabalho em equipa pressupõe um permanente convívio, estabilidade e lealdade a valores e princípios de um projeto [...]”;
  5. “O professor assume dignidade profissional, sendo autónomo-com-os-outros. Porque um professor não ensina aquilo que diz, transmite aquilo que é. E enquanto o exercício da profissão não se pautar por critérios de natureza pedagógica, enquanto a burocracia prevalecer em detrimento da pedagogia, os professores continuarão a ser considerados os ‘bodes expiatórios’ dos males do sistema”;
  6. “São muitos e diversos os caminhos de mudança, sendo urgente que os educadores compreendam o que significa o termo ‘currículo’. É preciso experimentar um novo modo de organização, em equipas de pessoas autónomas e responsáveis, todas cuidando de si mesmas e de todo o resto, numa escola realmente ‘pública’. Não negando o potencial da razão e da reflexão, juntar-lhe as emoções, os sentimentos, as intuições e as experiências de vida. E uma escuta que, para além do seu significado metodológico, terá de ser humanamente significativa [...]”;
  7. “É preciso apenas que haja gente, educadores conscientes da necessidade e possibilidade de mudança, que se constituam numa equipa de projeto. Que saibam escutar sonhos e necessidades da comunidade em que estejam inseridos. E que ajam em função da lei e da ciência. Não há duas escolas iguais, nem acredito em modelos.”

quinta-feira, 20 de julho de 2017

De Hélcio Pereira da Silva, "Lima Barreto, escritor maldito" (1976; 1981)

Leio na 10ª edição de “A vida de Lima Barreto” (2012), biografia escrita por Francisco de Assis Barbosa entre 1946 e 1951 e publicada no ano seguinte, que em outras obras da década de 70 o perfil biográfico desse autor é traçado:
O meu velho companheiro de A Noite, dos bons velhos tempos, Carvalho Netto, publicou em 1977 o seu livro de memórias, Norte: oito quatro, em que traça um excelente perfil de Lima Barreto, de quem foi amigo. Há ainda, a registrar os livros de cunho popular: o de H. Pereira da Silva, Lima Barreto, escritor maldito (1976) e o de João Antonio, Calvário e porres do pingente Afonso Henriques de Lima Barreto (1977). (BARBOSA, 2012 [1981], p. 23).
Certamente, compará-las permite adentrar mais ainda a literatura barretiana, a qual, como se sabe, mostra-se aqui e acolá autobiográfica. E, em se tratando desses “biógrafos”, coetâneos de Lima Barreto, curiosidades parecem esperar por sua revelação na leitura ávida daqueles que a esse tipo de atividade costumam aventurar-se. 

Além disso, quando uma nova bio(blio)grafia sobre um autor é lançada, há de se verificar a sua filiação com as anteriores, sobretudo para compreender os deslocamentos narrativo-temáticos em virtude dos quais ela surge, no restabelecimento da vida e da obra a que se propõe cercar. Agora, em 2017, que a Companhia das Letras publica, de Lilia Moritz Schwarcz, “Lima Barreto: triste visionário”, por exemplo, a biógrafa esclarece:
Não há como passar pela história da vida de Lima Barreto e da recepção de sua obra sem ter ao lado, e quase como guia de viagem, o livro de Francisco de Assis Barbosa publicado em 1952: a primeira biografia completa de Lima. Ele também liderou [...] uma verdadeira operação editorial com o objetivo de trazer de volta ao público, na década de 1950, a integralidade dos textos do autor. [...]. (SCHWARCZ, 2017, p. 19).
Evidentemente, outras operações editoriais também são interessantes e necessárias. Como confrontar as várias edições de uma mesma obra, garimpando aquilo que se deixou perder na segunda em relação à primeira, e assim por diante. Afinal, o zelo que, na prática de edição, restabelece a voz autoral não a liberta de todo. Vejamos, a seguir, o caso de H. Pereira da Silva.

A obra "Lima Barreto, escritor maldito" foi publicada em sua primeira edição em 1976. Na capa, atribuída a Claudio Valério Teixeira, lê-se uma espécie de subtítulo ausente na segunda: “Malditos são todos aqueles que dizem verdades incômodas”. Não há indicação da editora. 


Sem ficha catalográfica, o próprio ano da publicação é informado na lombada, na folha de rosto e na última página (240), onde nota-se “Composto e impresso no Departamento Gráfico do M. A. F. C., Rua Aristides Lobo, 106, em julho de 1976.” e fixa-se a seguinte errata: “EM TEMPO: Alguns insignificantes cochilos de revisão passaram despercebidos. Entre outros, na página 59, leia-se: ‘Anchieta, pensamento luso’...”. Talvez a contracapa seja reveladora, para a identificação da editoria: nela, o livro acaba apresentado como o sétimo dos 10 vol. que compõem a “GALERIA DE RETRATOS PSÍQUICOS”, projeto de H. Pereira da Silva. 


Sua orelha, “Ninguém foi mais brasileiro que Lima Barreto”, não é assinada e desaparece da segunda edição (1981, agora pela Civilização Brasileira, INL-MEC), sendo substituída por uma de Modesto de Abreu, sem título. 

As dedicatórias também se alteram. Antes: “A Francisco de Assis Barbosa que ressuscitou Lima Barreto, Lázaro do esquecimento, este livro” e “À ausência da grande presença: minha mãe” – nesta ordem. Depois: “À ausência da grande presença: minha mãe”, “A Antonio Houaiss, Francisco de Assis Barbosa, R. Magalhães Júnior” e “À memória de M. Cavalcanti Proença, Osman Lins e (Mário) José de Almeida”.

Compõem-na, excetuando-se folha de guarda, de rosto e as dedicatórias (SILVA, 1976, p. 5, 7),
  • NOTÍCIA LITERÁRIA” do biógrafo (na próxima edição, “Notícia biobliográfica do autor”, com alguns acréscimos: a crítica de Gilberto Freyre – “Ótimo livro!”- e “Outros livros” de H. Pereira da Silva, devidamente relacionados) (p. 11-14);
  • PROFISSÃO DE FÉ”, uma seção epigráfica, depois sem esse título, na qual encontra-se um trecho literário do biografado: “Nunca, na minha vida, tentei coisa mais desinteressada do que escrever as minhas confusas emoções e pobres julgamentos; e nunca esperei desse meu ato senão aquilo que, entre nós, a literatura pode dar digna, limpamente” (p. 17);
  • A VEZ DE LIMA BARRETO”, espécie de apresentação da biografia, elaborado pelo próprio biógrafo (p. 21-27);
  • Dez capítulos, não intitulados (p. 29-222);
  • OBSERVAÇÃO”, ausente na edição posterior;
OBSERVAÇÃO: Em vida, Lima Barreto editou por conta própria, "TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA", "NUNO [sic] E A NINFA", em 1916. Viu seu primeiro romance, "RECORDAÇÕES DO ESCRIVÃO ISAÍAS CAMINHA" publicado em Portugal pela Livraria Clássica em 1909 sem receber direitos autorais. Tirou, fazendo empréstimos, novas edições. Não tinha editor. O primeiro e único, foi Monteiro Lobato que, como vimos, pagou os direitos autorais de "VIDA E MORTE DE M. J. GONZAGA DE SÁ".
Foi tudo o que conseguiu. Agora faz a riqueza de qualquer editor. (p. 225).
  • SÍNTESE BIOGRÁFICA” (p. 229-235); e,
  • OBRA COMPLETA” de Lima Barreto (p. 239-240).

Quanto à segunda edição (revista por Nilza Morais, Heloisa Pires Mesquita e Luiz Augusto Pires Mesquita), a despeito do que já se revelou, sua capa é atribuída a "DOUNÊ sobre desenho de D. Ismailovitch".



Compõem-na, ao longo de suas 184 páginas, excetuando-se folha de guarda, de rosto, dedicatória e sumário (SILVA, 1981, p. 5, 7, 9),
  • "Notícia Biobliográfica do Autor" (SILVA, 1981, p. 11-14), semelhante à "NOTÍCIA LITERÁRIA" da edição anterior, com o acréscimo dos "OUTROS LIVROS" escritor por H. Pereira da Silva (Ibid., p 14):
Bacia das Almas (esg.)
Neuroses Coletivas do Século XX (esg.) 
Terra dos Papagaios (esg.)
Sobre os Romances de Machado de Assis (esg.)
Diálogos com Machado de Assis (esg.)
Maldito de Todos os Santos (peça teatral, esg.)
O Processo da Violência - Caso Herzog (peça teatral representada)
A Caixa de Fósforo (peca teatral)
Esquerda Festiva (peça teatral representada)
A Paisagem Urbana em Machado de Assis (Prêmio da Academia Brasileira de Letras)
  • "Miniprefácio à 2ª edição" (p. 15-16), escrito pelo biógrafo, com destaque para esse trecho, porque revelador da atividade editorial:
Agora, graças a Herberto Sales e Ênio Silveira, esgotada a primeira edição (por sinal graficamente descuidada não pelo autor, mas pelas deficiências materiais e revisão falha), temos a segunda em plena comemoração do centenário de nascimento do escritor redescoberto, "maldito" em vida, glorificado, afinal, bem-sucedido literariamente após longa espera. [...]. (Ibid., p. 15).
  • "Lima Barreto, Escritor Maldito e a Consagração da Posteridade - de Tristão de Athayde" (p. 17);
  • I a X (p. 17, 21, 41, 53, 67, 85, 103, 127, 141, 157 e 169);
  • "Síntese biográfica" (p. 173);
  • "Obra completa de Lima Barreto" (p. 181). 
Até o presente momento, essas são as únicas edições já publicadas. Toda a obra de Hélcio Pereira da Silva caiu em ostracismo. Raros os textos disponíveis na Internet, inclusive, que permitam a efetiva apresentação de sua vida jornalístico-literária. O mesmo talvez possa-se dizer de Carvalho Netto. Francisco de Assis Barbosa sobrevive no imaginário coletivo como o primeiro biógrafo expressivo de Lima Barreto, mas, sua literatura é desconhecida atualmente, cujos títulos encontram-se esgotados, a despeito de "Vida de Lima Barreto" (em sua 11ª edição). João Antônio, em contrapartida, ressurgirá em breve, resgatado pela Editora 34, conforme notícia d'O Globo (31/10/2016).

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Francisco de Assis. (1952). A vida de Lima Barreto. Notas de revisão: Beatriz Resende. 10. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2012. 

FILGUEIRAS, Mariana. Nos anos 20 da morte do escritor João Antônio, material inédito será lançado em livro. O Globo, Rio de Janeiro, 31 out. 2016. Disponível em <https://goo.gl/dPsJJW>. Acesso em: 20 jul. 2017.

SCHWARCZ, Lilia Moritzs. Lima Barreto: triste visionário. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.

SILVA, Hélcio Pereira da. Lima Barreto, escritor maldito. [S.l.: s.n.], 1976. 

______. ______. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL, 1981.

quarta-feira, 12 de julho de 2017

Tem muita fruta podre entre a fome e o alimento*

Não conhecia Franciso de Assis Barbosa, de quem muito se tem falado ultimamente por ocasião do homenageado da Flip 2017. É dele a obra “A vida de Lima Barreto”, escrita, como observa, durante cinco anos (entre 1946 e 1951), entregue ao editor logo em seguida e publicada em 1952. Quando digo que não o conhecia, refiro-me, por exemplo, ao modo como lhe descreve o colega / amigo Otto Lara Resende, em “FAB ou Chico”. 

Impressionou-me saber não que “Lima Barreto ressuscitou na sua pesquisa” (isso já era de conhecimento público – ao menos, por parte de nós, professores de literatura), mas, como a própria pesquisa foi empreendida – nesse sentido, marcou-me muito ter lido seu “Prefácio da primeira edição” (1951) e suas notas “A propósito da quinta [e sexta] edição” (1974; 1981), além é claro da de Beatriz Resende “A propósito da oitava edição” (2002). 

A edição que eu tenho em mãos é a 10ª, de 2012, publicada pela José Olympio. Porém já folhei a 11ª, a cargo da Autêntica, não por acaso agora – lembrem-se: 2017 – FLIP – LIMA BARRETO – MERCADO. Qual a novidade? 

Obviamente, nesta edição, desapareceram textos presentes na da José Olympio quanto aos “Dados biobliográficos do autor” e o inventário de suas obras – estou tratando de Assis Barbosa, de cuja produção (dezesseis obras), a julgar pelos títulos, saltaram-me aos olhos cinco: “Os homens não falam demais”, “Testamento de Mário de Andrade e outras reportagens”, “Retratos de família”, “Machado de Assis em miniatura” e “Santos Dumont, inventor”. 

Obviamente, também, apareceram outros. Porque reedição tem disto: um morder e assoprar de carteira, em virtude do qual sai dolorido o leitor / consumidor – às vezes, enganado (é bom saber). Mas, o fato é que, à semelhança de um pinto no lixo, faço festa; e, à dona da casa (portanto, do próprio pinto e do próprio lixo e do que fazer com eles), incomoda-me saber da limpeza que me aguarda depois. 

Pois bem, vida às reedições! Aos achados! Porque, além das “Obras de Lima Barreto” tal como as organizou Assis Barbosa e outros, surgiram títulos até então inéditos – “Sátira e outras subversões” (2016, pela Companhia das Letras), por exemplo. Morte aos movimentos ludibriosos do mercado editorial! Há tantas Clara dos Anjos por aí, agora; tantos Triste fim de Policarpo Quaresma, que é preciso saber qual escolher. 

As barracas foram armadas. Tem muita fruta podre entre a fome o alimento. 

P.S.: Qualquer obra em domínio público é carne retalhada, salgada e vendida aos pedaços, para os mais distintos paladares. Tem disso também: gente que serve mal, gente que serve bem; gente que engole, gente que mastiga.
______
* Mas, fruta é fruta - dirão alguns.